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20 de março de 2020
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11:51

O lado bom: cuidado e solidariedade

Por
Sul 21
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O lado bom: cuidado e solidariedade
O lado bom: cuidado e solidariedade
Posto de Saúde Modelo, Porto Alegre, cartaz de medida de prevenção contra Corona Vírus. Foto: Luiza Castro/Sul21

Selvino Heck (*)

Madrugada do dia 16 de março, domingo para segunda-feira, acordo com um barulho diferente no telhado da casa de mamãe. Levanto, vou verificar, é a chuva caindo mansamente, molhando a terra ressequida. Os riachos estão secos, o gado quase sem água, os carros pipas das prefeituras abastecendo as propriedades, os açudes vazios, os peixes morrendo, o milho e as verduras não crescem. A vida renasce no interior do interior do Rio Grande do Sul.

Bendita chuva na metade de março de 2020. E fiquei pensando/meditando com meus botões, na medida em que as reuniões e atividades da semana iam sendo canceladas um a uma por causa do coronavírus, e sendo eu um idoso que deve ficar resguardado, isolado. No meio da tempestade e do quase caos, mais cedo ou mais tarde, algo de bom e luminoso pode, vai acontecer.

Lembro do Colóquio Internacional da Educação Popular e Saúde, acontecido em Passo Fundo, RS, há uma semana. Centenas de educadoras e educadores populares, militantes sociais debruçaram-se sobre um tema mais que urgente na conjuntura, à luz de Paulo Freire.

Na Carta final, “no papel de denunciar, mas também de anunciar caminhos”, pautaram “OS INÉDITOS VIÁVEIS DA CAMINHADA DA EDUCAÇÃO POPULAR EM SAÚDE EM 2020: Resgatar a política pública da Política Nacional de Educação Popular, PNEP-SUS; assumir a defesa da democracia; defesa inflexível do SUS; engajamento coletivo nos espaços de participação e controle social; defender os princípios da educação popular; defender a manutenção dos conceitos, modalidades, práticas e ;princípios pedagógicos da educação permanente em saúde; assumir a agroecologia; defesa incondicional do legado de Paulo Freire, fortalecendo a campanha promovida pelo CEAAL (Conselho de Educação Popular da América Latina e Caribe); atuar contra todo uso indevido das religiões e religiosidades; defesa da diversidade e da pluralidade.”

Em tempos de crise e quase caos, está sendo discutido, e resgatado, o papel do Estado, as políticas públicas, a fundamental importância do Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil, é retomado o Programa Mais Médicos, é proposta a Revogação da Lei do Teto de Gastos e a implementação de uma Renda Básica para trabalhadores informais e desempregados. Como escreveu alguém numa rede social: “Lições do coronavírus: Estado mínimo não funciona; iniciativa privada não atende o interesse coletivo; no capitalismo o lucro está acima da vida; a solidariedade é a base do bem estar comum e; não devemos eleger dementes.”

Mais que isso, o cuidado e a solidariedade estão brotando por todos os continentes e cantos do planeta, nas comunidades, nas conversas nas famílias.

Escreve a jornalista brasileira Juliana Monteiro, direto de Roma: “O país inteiro (Itália) fechou. A flor no asfalto é a solidariedade. Estamos todos cuidando de quem não tem defesa suficiente para ele. Eu cuido do morador de rua que dorme no frio, embaixo da marquise do meu prédio, das senhorinhas que cumprimento no mercado, do senhor da loja de molduras. Pensamos coletivamente numa onda de cuidado com o outro, esse desconhecido, que eu nunca tinha vivido antes. Cuidem-se uns dos outros. Fiquem firmes. Sairemos melhores dessa.”

E alguém outro: “Tal vez estamos empezando a compreender que nadie se salva solo, que las fronteras no existen, que la salud es um derecho universal, que la economia puede esperar, que la vida es frágil y que protegerla es um deber colectivo.”

O poema do Frei Richard Henrick está circulando em tudo que é lugar: “Em todo mundo as pessoas estão acordando/ para uma nova realidade./ Quão grandes somos realmente./ Quão pouco controle realmente temos./ Para o que realmente importa,/ amar./ Então oremos e lembremos que,/ sim, há medo./ Mas não precisa haver ódio./ Sim, existe isolamento./ Mas não precisa haver solidão./ Sim, há pânico./ Mas não precisa haver maldade./ Sim, há doença./ Mas não tem que haver doença da alma./ Sim, existe até a morte./ Mas sempre pode haver um renascimento do amor./Acorde para as escolhas que você faz sobre como viver agora./ Hoje, respire./ Ouça, através dos ruídos fabricados pelo seu pânico./ Os pássaros estão cantando novamente./ O céu está clareando./ A primavera está chegando (no hemisfério Norte)./ E sempre somos envolvidos pelo amor./ Abra as janelas da sua alma./ E embora você não seja capaz de tocar através do quarteirão vazio,/ cante.”

E, mais que nunca, e sempre, as palavras finais da Carta do Colóquio de Educação Popular e Saúde: “SOMOS TOD@S RESISTÊNCIA! SOMOS TOD@AS ESPERANÇA!”

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Membro da Coordenação Nacional Ampliada do Movimento Fé e Política. Em vinte de março de dois mil e vinte

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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