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28 de dezembro de 2019
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11:31

2019, o pior ano de nossas vidas

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Sul 21
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2019, o pior ano de nossas vidas
2019, o pior ano de nossas vidas
A Amazônia está queimando. A natureza arde não só de sol ardente, mas de agrotóxicos poluindo as mesas. (Arquivo/EBC)

Selvino Heck (*)

Entrei em colapso quase geral no final de outubro: stress, cansaço extremo. Como aquele jogador de futebol em final de carreira, me arrastava em campo. Literalmente. Quando andava nas ruas, nas mobilizações, nas marchas, parecia que não chegaria no ponto final de chegada: pernas cansadas, corpo sem força. Nas reuniões, muitas e intermináveis, louco para sair, ir embora, dormir. Sair de casa à noite, só em último caso. Pouca capacidade de concentração para ler textos longos, livros, a cabeça pesada, dolorida. Resolvi dar uma parada geral, que acabou não sendo geral, para chegar no final de 2019, inteiro e vivo. Cheguei.

Esse o retrato pessoal do, possivelmente, ‘o pior ano de nossas vidas’.

O fascismo está na esquina, pronto para entrar dentro de casa, se é que já não se adonou da sala, da cozinha e dos quartos. A democracia, a cada dia que passa, parece estar mais sob ameaça, em perigo. Os valores da Constituição Cidadã são subvertidos, ou interpretados à luz das conveniências do cotidiano e dos interesses instantâneos, praticados segundo as vontades dos tiranos de plantão ou dos juízes de ocasião.

A fome ronda as famílias, os lares, as ruas, enquanto o desemprego e a miséria crescem geometricamente. Toda vez que vou em alguma atividade ou reunião na Lomba do Pinheiro, um bairro da periferia de Porto Alegre, alguém conta fatos novos da realidade dura, diz que a fome voltou, mais e mais famílias não conseguem sobrevivência digna, lembrando tempos e décadas que pareciam superadas que não iriam se repetir. Políticas públicas são destruídas, jogadas no lixo, a participação social e popular sendo esmigalhada, com a extinção, por exemplo, pelo governo federal, do CONSEA (Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional), e de seus programas de combate à fome e por alimentação adequada e saudável.

A desigualdade social e econômica, histórica no Brasil, depois de uma pequena queda nas últimas décadas, voltou a crescer, ultrapassando seus níveis históricos. Junto com a perda de direitos dos mais pobres e de trabalhadoras e trabalhadores, junto com a uberização e a terceirização sem precedentes.

O ódio e a intolerância estão nas comunidades, nas redes sociais, até nas famílias. A polarização política e de ideias não permite a conversa franca, o diálogo fraterno, a convivência sadia. Parentes deixam de se comunicar, vizinhos mal se cumprimentam, conversas sobre política e conjuntura são evitadas ou transformam-se em guerra.

O ‘Gabinete do Ódio’ mais que nunca faz lembrar o Big Brother, Grande Irmão, do romance 1984 de George Orwell, escrito em 1949, com sua teletela, hoje transformada nas fake news do ódio, do medo, da intolerância, da perseguição.

A Amazônia está queimando. A natureza arde não só de sol ardente, mas de agrotóxicos poluindo as mesas, o governo federal destruindo as políticas ambientais, deixando uma grande dúvida sobre o futuro do Brasil e da humanidade.

Basta ouvir o noticiário de cada dia, acessar as redes sociais, para saber dos assassinatos, dos feminicídios, da violência absurda do cotidiano, jovens negras e negros perdendo a vida, lideranças indígenas sendo perseguidas e mortas. O racismo exacerbado, o machismo, a misoginia, a homofobia tornaram-se valores e práticas quase normais, celebrados em diferentes setores da sociedade brasileira, até mesmo em algumas igrejas.

Meu colapso quase geral está explicado. Haverá alguma esperança? Pode-se esperar luz no fim do túnel em 2020?

Felizmente, as Mulheres e a Juventude salvaram 2019, com suas mobilizações e celebrações. A greve do magistério e de amplos setores do funcionalismo público gaúcho serviu de alento na reta final do ano. A resistência, expressa nas grandes Marchas, no Acampamento de professoras e professores na frente do Palácio Piratini, em Porto Alegre, por longas semanas, mostrou que a luta continua, a esperança também. Os jovens saíram às ruas, lutando por educação pública e democrática e outras muitas bandeiras de luta, sonho e beleza.

E tivemos Lula Livre, com um acampamento histórico em Curitiba. E a pirralha Greta Thunberg embelezou o mundo e as consciências com seu olhar doce e sua voz penetrante. O Sínodo da Amazônia, chamado pelo Papa Francisco, fez os olhos do mundo voltarem-se, não só para a Amazônia, mas para a ecologia integral. Mais que nunca o ‘ninguém solta a mão de ninguém’ faz-se absolutamente necessário e urgente.

Estou vivo. E pronto, ou quase pronto, para 2020.

(*) Deputado constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em vinte e sete de dezembro de dois mil e dezenove.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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