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13 de setembro de 2019
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14:17

O chicote no lombo do jovem negro

Por
Sul 21
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O chicote no lombo do jovem negro
O chicote no lombo do jovem negro
Manifestantes denunciaram o racismo e a violência. (Foto: Igor Carvalho/Brasil de Fato)

Selvino Heck (*)

Nada mais simbólico e emblemático dos tempos em que vivemos do que o chicote no lombo do jovem negro nu, amordaçado, sem camisa e calças abaixadas, por ter, supostamente, roubado, ou tentado roubar, um chocolate no supermercado Ricoy, em São Paulo. Os guardas/seguranças da loja, certamente orientados e empoderados por alguém, tiraram a roupa do jovem negro analfabeto, de 17 anos, e o chicotearam sem dó nem piedade.
Disse um dos seguranças do mercado, na gravação feita da tortura, e atirada no mundo pelas redes sociais: “Tô fazendo isso, simplesmente, para não atrasar meu lado, para não ter que te matar.” Simples assim, declaração nua e crua, direta, quase impossível de acreditar.

Não estamos mais no século XIX, mas parece que estamos, ou voltamos 150 anos no tempo. Estamos no século XXI – ou será algum dia de fato chegamos? -, em 2019. Ou estamos no século XIX, quando chicotadas, prisões, mortes, torturas e tudo mais era permitido na forma da lei e dos tempos de escravidão.

Declaração do filho do Presidente da República: “Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos, e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes” (Carlos Bolsonaro diz que país não terá transformação rápida por vias democráticas, Jornal do Brasil, 10.09.19).

Outra notícia dos últimos dias: “Itamarati não reconhece a existência do Golpe de 1964 e cria contraponto na ONU. Durante reunião em Genebra, governo Bolsonaro voltou a se recusar a reconhecer a existência do regime militar. Relator da ONU fala em ‘volta à Idade Média’.”(Blog do Luís Nassif, 10.09.19).

A partir das declarações de Carlos Bolsonaro, o Carluxo, e das posições do Itamarati na ONU, disse Felipe Santa Cruz, presidente da OAB nacional: “Não dá para aceitar uma família de ditadores.”

O chicote no lombo do jovem negro, as declarações antidemocráticas de Carlos Bolsonaro e o posicionamento do Itamarati sobre a ditadura têm tudo a ver entre si. A repressão contra os jovens negros e jovens negras está na porta de casa todos os dias. Assim como a escravidão, que nunca terminou. Ditadura na prática e no cotidiano. Vale lembrar que estamos na semana do golpe militar no Chile, comandado pelo general Augusto Pinochet, – 11 de setembro de 1973 -, golpe e ditadura elogiados recentemente pelo presidente da República, golpe que ‘suicidou’ Salvador Allende, eleito democraticamente, e mergulhou o Chile na ditadura militar em 1973.

Há um poderoso bloco de poder instalado no Brasil neste momento histórico, permitindo tudo isso: chicotadas em jovens negros, declarações antidemocráticas do filho do presidente, posições pró-ditadura do Itamarati. Juntaram-se no golpe, nas eleições de 2018 e no atual governo federal: grande capital nacional e internacional, especialmente o financeiro, agronegócio e latifúndio, partidos conservadores e de direita (inclusive, vale lembrar, o MDB, que lutou contra a ditadura), igrejas neopentecostais, grande mídia, donos das redes sociais e digitais, FBI, CIA, Trump e aliados, parcelas da classe média e intelectualidade, maioria do Congresso nacional.

São esses que abençoam e dão respaldo às chicotadas escravocratas, às queimadas criminosas na Amazônia, à violência das milícias, ao crime organizado. Assim como abençoam o crescimento geométrico da fome, da miséria, do desemprego, da concentração da renda e da desigualdade social

O chicote lanhou as costas de um jovem negro com fome. E lanha todos os dias as cabeças e mentes de quem sempre lutou pela democracia, sempre defendeu os direitos de trabalhadoras e trabalhadores, sempre cuidou da soberania nacional, sempre esteve do lado dos mais pobres, das excluídas e dos excluídos.

São tempos de ódio, de intolerância, de repressão, de censura, de ameaças à democracia, de fim da soberania nacional. A escravidão está de volta, a nu, escancarada pelas redes sociais, jogada em tristes, vergonhosas mensagens e imagens para o mundo inteiro ver e ouvir os gritos, o choro e os lamentos de um jovem sem proteção.

Queria ter a pena mais pungente para descrever da forma mais dolorida e forte e falar da dor e da vergonha supremas! Para nunca mais acontecer, em nenhum mercado, em nenhum beco de vila ou favela deste país.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).Em treze de setembro de dois mil e dezenove.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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