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19 de julho de 2019
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13:14

Qual discípulos de Emaús

Por
Sul 21
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Qual discípulos de Emaús
Qual discípulos de Emaús
 Manifestação no dia nacional de mobilização em defesa da educação em Porto Alegre. Foto: Giulia Cassol/Sul21

Selvino Heck (*)

“Desistir…/ Eu já pensei seriamente nisso,/ mas nunca me levei realmente a sério;/ é que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas,/ mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros,/ mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça.”

Com os versos de Cora Coralina, Frei Betto começou sua fala sobre ‘Espiritualidade na política: sinais dos tempos’ no décimo primeiro Encontro Nacional do Movimento Fé e Política, acontecido em Natal, RN, de 12 a 14 de julho. Frei Betto fez sua reflexão sobre os discípulos de Emaús, relato evangélico de Lucas (Lc. 24, 13-35), e a dedicou a Lula Livre.

Os discípulos de Emaús vinham tristes e pensativos pelo caminho: “Nesse mesmo dia, dois discípulos caminhavam para uma aldeia, chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. Iam falando um com o outro sobre tudo que se tinha passado.” É o que fazemos também hoje, 2019, todos os dias. O que aconteceu? O que está acontecendo? O que vamos fazer agora? Para onde vão este país e seu povo?

Não fazemos as perguntas sozinhos. Somos dois, somos mais, somos muitos. Caminhamos pela estrada qual discípulos de Emaús. A pergunta e a busca de resposta fazem parte da perplexidade coletiva, mas são também busca da verdade, são educação política. É o primeiro passo. Perguntar, conversar uns com os outros, entender. E agir.

Jesus começa a caminhar com os discípulos de Emaús. Pergunta: ‘De que vocês falam? Por que estais tristes?’ Eles respondem: ‘Não sabes?’ E contam o que aconteceu em Jerusalém: um profeta poderoso em obras e palavras foi condenado e crucificado pelos sumos sacerdotes, magistrados e pelo poder romano. (Hoje poderíamos dizer que alguém poderoso em obras e palavras foi condenado e está preso em Curitiba).

Jesus caminha junto e pergunta. Ouve. Não dá resposta, solução ou usa de sua autoridade. A resposta de Jesus foi (re)contar a história do povo de Israel, relembrar o que tinha acontecido séculos antes, falar da escravidão no Egito, do Êxodo, da chegada na Terra Prometida, avivar as denúncias e anúncios dos profetas ao longo do tempo. Jesus foi freireanamente pedagógico. Não se utilizou da educação bancária, cheia de letras, números e informações vazias, mas foi um mestre da educação popular libertadora: relembrar a História, ajudar a compreender os acontecimentos, conversando e caminhando junto, ajudando os discípulos a abrir os próprios olhos, conscientizando.

‘Aproximaram-se da aldeia para onde iam e ele fez como se quisesse seguir adiante. Mas eles forçaram-no a parar: ‘Fica conosco, já é tarde e já declinou o dia.’ Ele entrou na casa dos discípulos. Sentaram à mesa, e Jesus repartiu o pão, depois de repartir a palavra: gestos concretos de solidariedade e compromisso com quem tinha encontrado na rua e com quem tinha caminhado junto. ‘Ninguém solta a mão de ninguém.’

São os desafios de 2019. Todo mundo tem mil perguntas sem resposta. Todo mundo está atordoado. Primeira urgência: estar ao lado da outra e do outro, e caminhar junto. Ontem como hoje, ‘ninguém solta a mão de ninguém’, como lindamente as mulheres vêm dizendo nestes tempos de perplexidade. Segunda urgência: (re)visitar a história, para compreender. Quantos golpes já aconteceram nos quinhentos anos de Brasil? Quantas outras vezes a elite brasileira assassinou a democracia e as/os lutadoras/es do povo? Quantas vezes a resistência e a luta foram os únicos espaços de sobrevivência? Terceira urgência: convidar quem caminha com a gente para chegar na nossa casa e dar-lhe o que comer. Quarta urgência: repartir o que temos com quem está cansado, caminhou conosco e está com fome: trabalhadoras/es, sem-terras, quilombolas, indígenas, população em situação de rua, jovens e mulheres, população LGBTT, pobres e esquecidos, exploradas/os e oprimidas/os. E os olhos de todas e todos se abrirão e enxergarão a realidade, aos poucos, ‘pelas obras e palavras’.

Vale reler e saborear freireanamente a goiana Cora Coralina e suas lindas palavras, versos e sabedoria: “DESISTIR…/ Eu já pensei nisso, mas nunca me levei realmente a sério;/ é que tem mais chão nos meus olhos do que cansaço nas minhas pernas,/ mais esperança nos meus passos do que tristeza nos meus ombros,/ mais estrada no meu coração do que medo na minha cabeça.”

Vale terminar este artigo com a frase de Frei Betto na abertura de sua reflexão: ‘Guardemos o pessimismo para dias melhores.’

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política. Em dezoito de julho de dois mil e dezenove

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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