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14 de junho de 2019
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09:19

A injeção de cada dia

Por
Sul 21
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A injeção de cada dia
A injeção de cada dia
Foto: Carol Ferraz/Sul21

Selvino Heck (*)

Brinco com quem encontro na primeira reunião ou mobilização do dia: “Estou pronto pra tudo depois da injeção diária que tomo de manhã.” As pessoas me olham com espanto, desconfiadas, imaginando, algumas perguntando diretamente, que eu esteja gravemente doente ou tomado de algum hábito estranho aos meia oito recém completados.

Seguinte. Levanto cedo desde sempre: filho de colono, para tirar leite das vacas; depois, Seminário, para fazer ginástica às seis da manhã; mais adiante, frade franciscano, para rezar as Matinas na primeira hora; morador da Lomba do Pinheiro e professor do Colégio Anchieta, Porto Alegre, outro lado da cidade, para pegar dois ônibus e estar em sala de aula às vinte para as oito.

Hoje, (des)aposentado militante, sigo levantando cedo. Primeira coisa de cada dia: um gostoso chimarrão com erva da Capital Nacional do Chimarrão, Venâncio Aires, minha terra. E ‘entregar-se’ por um bom tempo à internet, primeira atividade do dia, quando não estou em viagem ou em frente a alguma garagem de ônibus, como neste 14 de junho na Greve Geral. É a injeção diária de preocupação, senão angústia, em geral, de alegria, lá de vez em quando.

Estou/estamos presos à internet. Resisti ao Whatspp por muito tempo, até sair de Brasília. Hoje, conversar com as pessoas, atualizar-se sobre a conjuntura e o que está acontecendo no Brasil e no mundo é praticamente impossível sem as redes sociais, presença em ‘trocentos’ grupos diferentes, receber centenas mensagens por dia, acompanhar o Facebook, etc., etc., etc. E lá se vai um longo tempo diário em frente à telinha, notebook e celular.

Tento me desvencilhar gradativamente das redes sociais. Difícil, praticamente impossível. Até porque meus escritos circulam quase só nas redes sociais, alguns poucos ainda em jornais diários ou semanais. Como posso, pois, pedir a meus leitores que saiam das redes sociais e, assim, estejam mais na rua, ou deixem de ficar olhando os celulares durante as reuniões, se nem eu mesmo, teoricamente avesso a este mundo, consigo fazê-lo?

A realidade, dura, está à nossa volta, com desemprego, crescimento da fome e da miséria. Ninguém pode esconder-se como se nada tivesse a ver com isso, como se os problemas lhe fossem estranhos, ou como se o governo federal e o presidente eleito pudessem governar sem protestos massivos e resistência, que, felizmente, andam acontecendo e crescendo a cada dia.

Portanto, minha vacina ou injeção diárias, que, em geral, mais me angustiam do que me deixam feliz, alegre e tranquilo, não são, de maneira alguma, suficientes. Está aí o dia 14 de junho, a Greve Geral, vital para a democracia brasileira e para impedir mais retrocessos nos direitos de trabalhadoras e trabalhadores. Dia 14 de junho e a Greve Geral podem ser um divisor e definidor de águas da democracia brasileira, o povo organizado na rua, tal como vêm fazendo os estudantes, capaz de se contrapor, como em outros momentos da história, aos desmandos autoritários, ao desmonte de direitos, à destruição de um país, ao derretimento de uma Nação.

Estão aí as mobilizações de estudantes de maio, lembrando 1968. Estão aí as resistências diárias de comunidades indígenas, quilombolas, sem terras, dizendo que não aceitam serem condenadas à morte, extinguidas do mapa. São lutas concretas, são ações que envolvem pessoas, homens, mulheres, jovens, crianças. Não acontecem apenas nas redes sociais, ainda que delas possam valer-se para ampliar seu grito e sua ressonância.

É preciso resistir, é preciso lutar, ocupar praças e cidades, mobilizar comunidades do campo e da cidade, escolas e Universidades. Que a Greve Geral seja um grito, não de dor, mas de libertação, de urgência, de futuro, de esperança. Que as mobilizações, Marchas, Greves e todas as formas de luta que estão por vir em 2019 mostrem cada dia mais um povo livre e consciente, uma terra de justiça e paz, uma Nação soberana.

A injeção de cada dia para mim e para todo mundo é a rua. É estar na rua, conversar com as pessoas, ninguém soltar a mão de ninguém.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em catorze de junho de dois mil e dezenove.

§§§

As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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