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3 de maio de 2019
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13:40

R$ 3 milhões e a caça ao tesouro

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Sul 21
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R$ 3 milhões e a caça ao tesouro
R$ 3 milhões e a caça ao tesouro
'Caráter regressivo da tributação determinante na crônica desigualdade da renda no Brasil' (arquivo/ebc)
Foto: Arquivo/EBC

Selvino Heck (*)

“Tido como o filão mais cobiçado por bancos e casas de investimento, o private banking, que engloba investidores com, no mínimo, R$ 3 milhões em ativos financeiros – começou 2019 em ritmo acelerado. Ao fim de fevereiro acumulava mais de R$ 1,114 trilhão em recursos e variação de 14,5% em 12 meses. Apesar de mais de 70% desse montante ainda estarem concentrados nos cinco maiores bancos do país, cresce a fatia alocada em bancos estrangeiros e nas gestoras de fortunas independentes. Itaú, Bradesco, BTG e Banco do Brasil (BB) têm brigado para manter dentro de casa os milionários, que costumam distribuir seus investimentos entre duas ou três instituições financeiras diferentes.

Em um ano em que o mercado se anima com a possibilidade de aprovação das reformas da Previdência e Tributária, investidores e bancos veem a possibilidade de geração de novo ciclo de fortunas no país, com elevação das operações de IPOs (oferta inicial de ações, na sigla em inglês) e de fusões e aquisições. E se preparam para capturar isso” (Roseli Loturco, Especial, Private Banking, Valor Econômico – Aumenta a disputa pelos investidores que têm mais de R$ 3 milhões, 18/19 de abril de 2019; Roseli Loturco, A Roda da Fortuna, revista Época, 29.04.19, p. 50ss).

A movimentação no segmento é ampla. “A concorrência está aí, mas nós não estamos parados. Só no primeiro trimestre, nossa captação líquida foi de R$ 10 bilhões. Mais do que o dobro do mesmo período do ano passado”, diz Luiz Severiano Ribeiro Ribeiro, chefe global do Itaú Private Banking, responsável pelo maior volume de recursos desta categoria, R$ 430 bilhões, somando R$ 335 bilhões locais e R$ 95 bilhões offshore.

Alguns números merecem registro e atenção especiais. 1. A caça é a quem tem e a tesouros acima de R$ 3 milhões. 2. Ritmo acelerado em 209: ao fim de fevereiro, variação de 14,5% em 12 meses. 3. A Reforma da Previdência é vista pelo mercado e pelos investidores para ‘novo ciclo de fortunas. 4. Captação líquida do private banking do Itaú no primeiro trimestre de 2019: R$ 10 bilhões.

Olhando outros detalhes. Diz a matéria do Valor Econômico: “O agronegócio é um dos focos dos private banking não é de hoje, mas ganha atenção diferenciada das instituições. Além disso, uma pequena parte dos 5,07 milhões de estabelecimentos encontrados pelo Censo Agropecuário 2017 do IBGE no país concentra altíssima renda. O alvo estimado por especialistas não é grande – 7 mil proprietários individuais ou sociedades rurais – mas o cofre sim: mais de R$ 10 milhões de renda bruta anual. (…) O Rio Grande do Sul é outro grande mercado para o private banking do agronegócio. O Estado produz 17,2 bilhões de toneladas de soja e reúne o sexto maior rebanho bovino com 11,4 milhões de cabeças de gado.”

Mais. “Volume e concentração da riqueza crescem no mundo. Um montante de US$ 70,2 trilhões em ativos nas mãos de 18,1 milhões de pessoas. A população de indivíduos de patrimônio cresceu 9,5% de acordo com a última edição do World Wealth Report. Isso significa que 1,6 milhão de pessoas se juntaram à lista em 2017. As riquezas dos abastados, por sua vez, cresceram 10,6%. Existem duas tendências: a concentração de valores continua em curso e cresceu o número de pessoas com patrimônio acima de US$ 1 milhão”, explica David Cortada, vice-presidente de serviços financeiros da Capgemni Brasil. Ainda que representem a menor parcela dos indivíduos de alto patrimônio, os ultra-ricos (com mais de US$ 30 milhões em bens) detêm mais de um terço das riquezas do grupo. São US$ 24,5 trilhões concentrados em 174,8 mil pessoas. O segmento foi o que mais avançou entre 2016 e 2017 – 11,2%. O patrimônio deles também (12%). (…) Para a América Latina a perspectiva é de alta de 12% no período. Quatro países latino-americanos também estão na lista das 12 principais nações emergentes que o banco suíço UBS usa em suas projeções. Brasil e México aparecem em segundo e terceiro lugar, depois da China, a primeira colocada.” Ainda: “Ricos mais ricos: Santander Brasil tem lucro de R$ 3,4 bilhões no primeiro trimestre, alta de 21%” (G1, 30.04.19).

E: “Brasileiros diversificam atuação no exterior. O investidor brasileiro passou por um processo de aprendizado nos últimos anos e percebeu que internacionalizar o patrimônio é um caminho irreversível. Diferentemente do passado, quando a diversificação do portfólio era usada como proteção ao risco Brasil, o momento atual estimula o investidor a fazer alocações no exterior por questões do retorno” (Época-Valor Econômico, p, 58, 29.04). E, grifo meu, com uma vantagem: tudo isso é feito, praticamente, sem qualquer imposto, ao contrário do comum dos mortais.

Enquanto isso, outras, e tristes, manchetes: “PNAD contínua: taxa de desocupação é de 12,7% e taxa de subutilização é de 25% no trimestre encerrado em março de 2019. Desemprego dispara. A fome está de volta (Paulo Henrique Amorim, www.conversaafiada.com.br, 30.04). A população desocupada é de 13,4 milhões, com crescimento de 10,2% – eram 12,2 milhões. A população ocupada – 91,9 milhões – caiu 0,9% – são menos 873 mil pessoas ocupadas. O número de pessoas desalentadas (4,8 milhões) subiu mais 3,9%, isto é, 180 mil pessoas.”

Este é o Mercado e seus resultados e consequências, o Senhor Mercado, cantado em prosa e verso todos os dias nos meios de comunicação, do qual falamos longamente no dia 27 de abril na Escola de Cristã de Educação Política (ECEP), em Santa Maria, com sua décima terceira turma, e o tema ‘A Economia de Mercado e a relação com a Natureza e o Comum da Humanidade’. O Senhor Mercado é um senhor onipresente, todo poderoso, quase humano, quase gente a caminhar ao nosso lado no cotidiano.

O Senhor Mercado produz a cada dia mais desigualdade, mais pobreza, mais injustiça, mais desemprego, mais concentração de renda, riqueza e poder nas mãos de muito poucos.

É o projeto que está em curso no Brasil (e no mundo) com a Reforma da Previdência e as ameaças à democracia. A Greve Geral que está sendo chamada para 14 de junho é mais que urgente e necessária.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em três de maio de dois mil e dezenove

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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