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24 de maio de 2019
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17:21

O (quase) caos: preparemo-nos! (9)

Por
Sul 21
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Fotos: Carol Ferraz/Sul21

Selvino Heck (*)

“Cenário 2 – Estabelece-se o (quase) caos político-institucional-político-econômico-social, com violência generalizada, ataque aos Direitos Humanos e seus defensores, crise em todos os sentidos. A sociedade brasileira se levanta, mas não consegue hegemonia, o governo perde o controle relativo, apela para o uso extremo das Forças Armadas e das forças policiais, a repressão é brutal e cotidiana, o país (quase) torna-se ingovernável. A violência e a insegurança tornam-se absurdas, o crime organizado começa a tomar conta dos espaços, governo perde o controle.

A democracia se enfraquece ou sucumbe, os pobres e trabalhadores sofrem, as consequências de um (quase) caos são imprevisíveis. É de longe o pior cenário, mas não pode ser descartado (vide o que está acontecendo hoje na Argentina). Caso aconteça este cenário, e não se pode descartá-lo neste momento, haverá um tempo, não se sabe quanto, até um lado sair vitorioso ou controlar a situação. Não se pode saber, num cenário de (quase) caos, qual lado sairá vitorioso.”

Este era um dos três cenários previsíveis em outubro de 2018, em análise com o título Elementos de Conjuntura nos Novos Tempos. (E lembrando: este artigo/análise/reflexão está/estão sendo feitos/as antes das manifestações da ultradireita em 26 de maio, com suas imprevisíveis consequências, dependendo de sua extensão e radicalização.)

A análise do final do ano passado começava assim: “Não é fácil, a poucos dias da eleição e de seus resultados, (tentar) entender tudo o que aconteceu, e projetar o que vem ou pode vir pela frente. Há uma conjuntura subterrânea que ainda precisa ser ou será com o tempo desvendada e descoberta” (entre tantas coisas, grifo meu atual: tudo o que cerca a controversa facada que catapultou o então candidato a presidente, tudo o que cerca a família do hoje presidente – vide a quebra de sigilo bancário do filho hoje senador e do amigo dos milicianos e ex-assessor Queiroz, que continua sumido.)

Infelizmente, há sinais de que o Brasil pode estar (quase) chegando no cenário acima descrito. As perguntas são: quais as possibilidades reais e concretas do (quase) caos em final de maio de 2018, sete meses depois da previsão de outubro de 2018? E o que fazer?

A crise econômico-social se avizinha em passos rápidos, em plano nacional e internacional. O Brasil está ‘no fundo do poço’, segundo afirmação do ultraliberal Ministro da Economia, Paulo Guedes, num país que, nos anos 2000, nos governos Lula e Dilma, cresceu a números jamais vistos, com pleno emprego, políticas públicas que assistiam toda população, especialmente os mais pobres. Mas, e pior que recessão, uma depressão se avizinha, segundo economistas. Não é, pois, só a pobreza, a miséria, a fome e o desemprego que vão aumentar, como se vê todos os dias nas ruas e nas enormes filas de desempregados. Crescerão junto a violência, a criminalidade, a insegurança e a instabilidade em todos os níveis. E com armas e fuzis na mão de todo mundo! A greve dos caminhoneiros, anunciada, pode estar chegando em algum momento.

Há uma crise interna ao governo federal, bateção de cabeça entre militares e o presidente da República. A crise política avança cada dia, com as absurdas declarações e ações presidenciais e de seus filhos. Já não se sabe se as reformas, especialmente a Previdenciária, consideradas como ‘salvação da pátria’, serão aprovadas. Ninguém sabe o que vai acontecer nos próximos dias, semanas, meses. Já há quem fale em impeachment, mesmo no campo dos aliados presidenciais e setores da grande mídia, muitos começando a lembrar tempos de Jânio Quadros e Fernando Collor.

O que fazer?

O (quase) caos não interessa a ninguém. O ‘quanto pior, melhor’, que era motivo de debate em décadas passadas no campo popular e democrático, foi descartado faz tempo, como elemento e oportunidade de ação política. É preciso criar espaços de diálogo, ambientes onde a organização popular e a conscientização de massa possam ser semeadas, a esperança e possibilidades de futuro tenham espaço para nascer, crescer e florescer.

A mobilização social contra os cortes na educação em 15 de maio foi gigantesca, e aconteceu em todo Brasil. Mesmo a mídia tradicional foi ‘obrigada’, pela quantidade de pessoas na rua, a dar-lhe destaque. E há uma greve geral sendo convocada para 14 de junho contra a Reforma da Previdência.

As mulheres e os jovens têm sido protagonistas. O ‘ninguém solta a mão de ninguém’ surgiu nas manifestações de 2018. Agora, a juventude e os estudantes, diante dos ataques à educação pública, às Universidades e Institutos Federais, foram às ruas com força no dia 15. A velha e a jovem guarda se encontraram nas mobilizações e tudo indica que seguirão juntos, em atos que só tendem a crescer.

Não se pode esquecer o papel de Lula, mesmo preso, neste momento histórico, com a Vigília que continua resistindo em Curitiba, com suas entrevistas com ampla repercussão, inclusive internacional, e que, no andar da carruagem, poderá sair da cadeia, mais cedo ou mais tarde.

São sinais de alento, mas ainda insuficientes ante a gravidade do momento e a complexidade da conjuntura. O Brasil, contudo, já passou por dias e tempos iguais ou piores. Quem viveu a ditadura, e sobreviveu, bem sabe disso. O (quase) caos, no início dos anos 1980, nos estertores dos governos militares, o (quase) caos no início dos anos 1990, governo Collor, e o (quase) caos do final do início dos anos 2000, governo neoliberal de FHC, foram vencidos e superados pela sociedade mobilizada. Mais uma vez, com a luta popular, com o povo, os jovens e as mulheres na rua, o mesmo poderá acontecer no final dos anos 2010. Preparemo-nos!

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em vinte e quatro de maio de dois mil e dezenove

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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