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26 de abril de 2019
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14:20

O catador Luciano Macedo e o Primeiro de Maio

Por
Sul 21
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O catador Luciano Macedo e o Primeiro de Maio
O catador Luciano Macedo e o Primeiro de Maio
Luciano Macedo (Reprodução)

 Selvino Heck (*)

“Foi salvar uma vida e deu a dele”, disse Lucimara, irmã do catador Luciano Macedo, assassinado pelo Exército brasileiro dia 7 de abril, em Guadalupe, Rio de Janeiro. Luciano salvou uma criança, tirando-a do carro, e tentou salvar o pai da criança, o músico Evaldo dos Santos Rosa, Manduca, que estava no carro, também assassinado, com 80 tiros. “No dia dos tiros, ele estava indo buscar as madeiras para construir seu barraco na Favela do Muquiço”, disse Lucimara. Um trabalhador, Luciano, cuidando de sua família.

Luciano faria 28 anos em 17 de maio. Sua mulher, Daiana Horrara, estava grávida de cinco meses do primeiro filho. Ele levava o nome da mãe, Aparecida Macedo, no braço.

Segundo o advogado da família de Luciano, ele foi levado para um hospital estadual sem condições de realizar todos os procedimentos, e foi impedido de ser atendido em outro hospital. Morreu pelos 80 tiros e por falta de cuidados.

Ninguém do Exército procurou ou foi visitar a família de Luciano. Notícias recentes dão conta que ‘Exército silencia sobre investigação de mortes com 80 tiros por militares no Rio’ (www.conversaafiada.com.br – 25.04.19). ‘Foi fatalidade’, disseram comandantes do Exército. Segundo o Presidente da República, “o Exército não matou ninguém, não. O Exército é do povo, e não pode acusar o povo de ser assassino, não. Houve um incidente, uma morte”. O ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, declarou: “Lamentavelmente, estes fatos podem acontecer.” Foram 80 tiros!

Trabalhadores e catadores estão sendo assassinados todos os dias: Brumadinho, Mariana, Muzema. Mas não são apenas os assassinatos físicos. São também os assassinatos de direitos: ao trabalho e ao emprego, à aposentadoria digna, ao salário mínimo com reajuste real, à participação em Conselhos, Comissões e Conferências, à moradia própria. São os assassinatos quase diários de lideranças de movimentos sociais, indígenas, quilombolas e outros tantos, que lutam por terra, para defender a Amazônia, brigando por seu chão, pela dignidade de trabalhadoras e trabalhadores, por vida, por justiça, por democracia.

O Primeiro de Maio, Dia Internacional dos Trabalhadores e das Trabalhadoras, surgiu na luta de trabalhadores e trabalhadoras por direitos e redução da jornada de trabalho de treze para oito horas. Houve uma greve geral em primeiro de maio de 1886, em Chicago, Estados Unidos da América. As mobilizações nas ruas e nas fábricas, em 1886, resultaram em prisões, feridos e mortes nos confrontos entre operários, operárias e a polícia de Chicago.

Ontem como hoje.

Luciano era catador. Lutava diariamente por vida digna. Estava querendo construir uma casa para um filho que viria em breve. Luciano, no seu amor pela vida, salvou a vida de um menino. Tentou salvar outra vida, a de Manduca. Recebeu 80 tiros de volta. Deu sua própria vida em favor de quem não conhecia, não sabia quem era, nunca tinha visto. Tinha consciência que não era sozinho no mundo, que não era apenas sua vida que valia, que a vida sempre vale a pena, e que é preciso salvar qualquer vida em qualquer circunstância.

O Primeiro de Maio foi em 1886. O Primeiro de Maio está sendo em 2019. Primeiro de Maio é dia de luta, acima de tudo, em todos os lugares, em todas as ruas, em qualquer época, cidade e país. E é dia de esperança, de futuro, apesar de tudo. Como se conquistou a jornada de 13 para 8 horas nos idos de 1886, nos tempos de hoje significa conquistar, e garantir, o direito de viver, o direito de sonhar, o direito de ser povo livre, o direito de ser Nação soberana.

Luciano Macedo dá rosto, dignifica o Primeiro de Maio de 2019 de todos os trabalhadores brasileiros e todas as trabalhadoras brasileiras, de todas as catadores e catadores, de todos os indígenas, de todos os quilombolas, de todos os jovens, de todas as mulheres, de todas as crianças, de todos e todas os/as que, todos os dias, com o suor de seu rosto, sustentam suas famílias, esperam e cuidam de seus filhos, querem, lutam por vida digna e um Brasil justo, solidário e com democracia.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em vinte e seis de abril de dois mil e dezenove.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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