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13 de abril de 2019
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11:15

Imigrante com “boas intenções”

Por
Sul 21
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Imigrante com “boas intenções”
Imigrante com “boas intenções”
“Os imigrantes do século XIX eram alemães, italianos, poloneses sem terra. Hoje são senegaleses, haitianos, latino-americanos, africanos deserdados, sem lar e sem pátria”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Selvino Heck (*)

“Nós vemos com bons olhos a construção do muro (na fronteira do México com os EUA). Grande parte dos imigrantes não tem boas intenções nem querem fazer o bem dos americanos.” A declaração do presidente Bolsonaro foi feita no mesmo dia em que o presidente dispensou os cidadãos dos EUA da necessidade de visto para viajar ao Brasil. Já os brasileiros que visitarem os EUA continua precisando de visto, que pode ser recusado.

Sou filho, neto, bisneto de imigrantes por parte de pai e de mãe. Só falo alemão até hoje com mamãe, de 92 anos. Aprendi o ‘Vater Unser’- Pai Nosso – em alemão castiço. Os Heck, os Kroth do lado paterno, os Hickmann e Wagner, dos vovós maternos, não tiveram ‘más intenções’ quando vieram ao Brasil no século XIX.

Construíram o Brasil – o Rio Grande do Sul, o município de Venâncio Aires, a Picada Lenz, hoje Linha 17 de Junho, a Vila Santa Emília – com escolas sustentadas por eles próprios, comunidades, rica cultura, valores comunitários de participação e organização, fé –, e depois ainda se espalharam por Santa Catarina, Paraná, Brasil afora, até Argentina e Paraguai.

Agricultores, com a força de suas mãos e braços, e sua sabedoria trazida da Europa, sustentaram com dignidade suas famílias, construíram casas quase fortalezas e suas grossas paredes, resistentes a ventos e tempestades, plantavam e produziam quase tudo que comiam e assim alimentavam seus muitos filhos.

Tenho orgulho de minha origem, de ser filho, neto, bisneto de imigrantes. Mas reconheço desde sempre o direito dos índios, desajolados de suas terras – em décadas passadas, seguidamente  encontravam-se objetos indígenas nos bosques e matos na colônia de papai, vovó e vovô , inclusive grandes panelas de barro -, e cuja sobrevivência digna é preciso garantir nos tempos atuais em suas reservas. Bem como dos negros que chegaram escravos e hoje querem, e têm todo direito de ser livres e viverem com dignidade em suas terras.

Felizmente, o México está cobrando explicações de Bolsonaro sobre declarações que agridem imigrantes. “As críticas de Jair Bolsonaro contra a situação dos imigrantes nos EUA, incluindo brasileiras e brasileiros, durante sua viagem ao país, incomodou a diplomacia A informação, divulgada pela coluna de Bela Megale, é que o governo mexicano exigiu esclarecimentos sobre as declarações polêmicas dadas por Bolsonaro em entrevistas concedidas a jornais dos EUA, de que teria vergonha de brasileiros em situação de ilegalidade no país e tem contra imigrantes de modo geral”(Luís Nassif, 01.04.19).

O Papa Francisco também tem se manifestado seguidamente sobre o tema. “O Papa sente muita dor e não entende aqueles que fecham a porta aos imigrantes. ‘Pela cabeça nada, não entendo. Pelo coração, muita dor. Não entendo a insensibilidade. Ou não entendo a injustiça. O ser humano tem que ter um coração aberto’.” (Entrada, canal espanhol ‘la Sexta’, 01.04.19).

Os imigrantes do século XIX eram alemães, italianos, poloneses sem terra. Hoje são senegaleses, haitianos, latino-americanos, africanos deserdados, sem lar e sem pátria. Os imigrantes de hoje em geral são pobres, negros, indígenas. São aqueles que, por algum motivo, relegados em sua terra, mudam de pátria não por opção livre ou vontade. Estão sem saída, caminham sem rumo para onde são acolhidos e, aparentemente, algum futuro se apresenta. Buscam esperança, buscam vida.

Não quero muro nenhum, nem o da vergonha no México, nem muro separando os povos indígenas, negros e quilombolas, nem muro separando ninguém de ninguém. Sou brasileiro com orgulho, canto o hino nacional, sempre cantei, mesmo quando mal sabia falar português, tomo chimarrão desde que me conheço por gente, sempre torci pela vitoriosa seleção brasileira, desde 1958, com sete anos de idade, ouvindo a vitória de Pelé e companheiros pelo rádio, Rádio Guaíba, junto de papai. Nunca me passou pela cabeça torcer pela seleção alemã, por exemplo, ainda que falasse mais alemão que português. Sou brasileiro da gema desde sempre, amo o Brasil, fui deputado estadual constituinte, não preciso de muros, nunca quis muros. Sou um filho de imigrante de ‘boas intenções’, contribuindo para a construção de uma pátria, de uma Nação com igualdade, justiça, paz e fraternidade.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990).

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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