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1 de março de 2019
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15:22

Ser profeta em 2019

Por
Sul 21
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Ser profeta em 2019
Ser profeta em 2019
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Selvino Heck (*)

“O louco é profeta. Profeta de um mundo, profeta de uma situação, profeta de um povo oprimido. Os profetas nunca são queridos em sua terra. Os profetas são chatos, super-chatos às vezes. Os profetas são loucos. Os loucos são profetas.

Os profetas estão sempre de olhos abertos. Os profetas enxergam a realidade como ela é. Os profetas nascem do povo e permanecem no povo. Os profetas conduzem o homem e fazem o processo da história. Para que o homem seja dono de si mesmo e assuma seu modo próprio de ser no mundo.

Os profetas são a liberdade. Quando o profeta deixa de ser sinal da liberdade, deixa de ser profeta. E já muito antes deixou de ser louco. O profeta é um desimpedido, alguém que está sempre pronto para se transformar a si mesmo e transformar a realidade onde vive.

O profeta aponta erros e traz luz para o futuro. O profeta é servo do homem. É capaz de morrer pela humanidade. O profeta é sinal de Deus. O profeta é louco. E o louco é profeta.”

Idos de 1974, arroubos juvenis próprios dos 20 e poucos anos de idade, frade franciscano, envolvido no movimento estudantil, escrevi ‘A Teologia da Loucura’. A cada semana eram publicadas duas ou três páginas de ‘A Teologia da Loucura’ no Mural do Diretório Acadêmico da Faculdade da Teologia da PUCRS, Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Revisitada hoje, 2019, ‘A Teologia da Loucura’ ganha surpreendentes ares de atualidade.

Com outras palavras, mas no mesmo sentido, sob o título ‘Por uma Espiritualidade sócio-política libertadora’, o teólogo e monge beneditino Marcelo Barros refletiu sobre o que é ser profeta hoje, 2019, no Curso Oscar Romero em Santa Maria, Rio Grande do Sul, no início de janeiro.

Nas palavras de Marcelo Barros, a espiritualidade dos profetas é: – Nabi (profeta, em hebraico): consciência do chamado; – Buscar a intimidade divina; – Aprimorar a capacidade de escutar;- Formar células de resistência, filhas e filhos da resistência, as minorias abraâmicas, na síntese profética de Dom Hélder; – Assumir a marginalidade e o risco do deserto; – Exigir de si mesmo a coerência.

Marcelo Barros resumiu a espiritualidade de Jesus em três pontos: 1. Centralidade do projeto divino para o mundo – A vontade do Pai: seu Reino – A Mística do Reino; 2. A vinda desse projeto exige a transformação radical de todas as estruturas do mundo. 3. Cria uma nova relação de comunhão e amor ente as pessoas e com a terra.

O que é, pois, ser profeta hoje, 2019, no Brasil, na América Latina, no mundo?

O décimo nono Encontro do Movimento Fé e Política, que vai acontecer de 12 a 14 de julho em Natal, Rio Grande do Norte, quando o Movimento completa 30 anos, tem como tema: POLÍTICAS PÚBLICAS E ALTERNATIVAS SOCIAIS: SINAIS DOS TEMPOS NA CONSTRUÇÃO DO BEM VIVER (Informações: www.fepolitica.org.br. Contatos: [email protected]).

A quadragésima segunda Romaria da Terra, a realizar-se na terça de carnaval, 5 de março, em Itacurubi, Rio Grande do Sul, tem como tema ‘Alimentação saudável – Identidade, resistência e direitos – Para que todos tenham vida’ (Jo 10, 10) – Contatos e informações: [email protected].

O tema da Campanha da Fraternidade/2019, que será lançada dia 6 de março, quarta-feira de cinzas, é ‘Fraternidade e Políticas Públicas’. O lema, profeticamente, é ‘Serás libertado pelo Direito e pela Justiça’ (Is, 1, 27). Diz o texto-base da CF/2019, em ‘Os profetas e o anúncio da justiça’: “117. Deus se revela no Antigo Testamento como aquele que viu a miséria de seu povo e ouviu o seu clamor, descendo para libertá-lo (Ex 3, 7-8) e, por isso, essa experiência libertadora se constituiu o centro da fé do povo de Israel. (Dt 26, 5-9). É também o paradigma da pregação dos profetas, que tentam reorientar a vida do povo em direção ao direito e à justiça, pois, para conhecer a Deus, é preciso praticá-la. Eles proclamam, por isso, sem cessar, o direito do pobre.”

Diz o texto-base da Campanha da Fraternidade no número 12: “A participação dos cristãos na sociedade possibilita fortalecer a vida social nas suas relações. Construir uma fraternidade, cuidar do bem comum e fortalecer a cidadania expressa a força transformadora do Evangelho no cotidiano das comunidades. A política é essencialmente o cuidado para com o que é comum e realizar ações que ajudem na integração de todos na sociedade. Políticas Públicas como ações comuns, públicas, pertencentes a todos. É tarefa de todo o cristão participar na elaboração e concretização de ações que visem a melhorar a vida de todas as pessoas. Fazer obras de misericórdia!”

Eis o que é ser profeta em 2019: Lutar pelo Direito e pela Justiça. Construir Políticas Públicas e Alternativas sociais. Anunciar o Bem Viver.

Reafirmo e recito em 2019 o Credo da Teologia da Loucura, escrito em 1974:

“Creio no homem e na mulher. Creio fundamentalmente no homem e na mulher. No homem, na mulher e em suas possibilidades. No homem, na mulher e em seus horizontes. No homem, na mulher e em sua abertura para o infinito.

Creio na liberdade. Por mais paradoxal que pareça. Ou por mais impossível. Porque creio que as amarras não são eternas, nem as grades, nem as algemas. Creio que o medo pode ser substituído pela coragem. Creio na alegria. Na alegria jovial. Na alegria que sabe ser e sabe ver o ser das coisas. Na alegria de dar, de dar sem esperar recompensa, de dar por dar, de dar simplesmente.

Creio na vida, quando cultivada, quando exigida até a última gota, quando praticada até o último instante, quando construída sobre pedras e flores, quando marcada de cruzes, perseguições e agonias. Creio no mundo e em seu espaço. Creio na natureza. Com suas maravilhas e encantos. Suas agruras e durezas. Creio no sol de cada dia.

Creio nos rostos que se esforçam, nos rostos que desabrocham, nos rostos amargos e nos rostos profundos, nos rostos antigos e nos rostos crianças. Creio essencialmente no futuro. Creio na esperança. Na esperança sem medo, na esperança sem fugas, na esperança sem covardia. Creio na transformação do homem e da mulher. Creio na revolução das coisas. Creio na libertação de tudo.

Creio no louco. Creio na loucura. Creio na necessidade da loucura. Na loucura que surpreende o homem, a mulher, na loucura que liberta o homem, a mulher, e aí não mede o preço nem os sacrifícios.

Creio no martírio. Creio na ressurreição. Creio em meu Deus. Meu Deus e meu tudo. Minha libertação. Minha loucura. Minha radical opção pelo homem, pela mulher, pela humanidade. Creio em tudo e em Ti, meu Deus.”

P.S. Este artigo, com o mesmo título, com algumas modificações, é o Editorial de fevereiro do site do Movimento Nacional Fé e Política. Ver em www.fepolitica.org.br.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em primeiro de março de dois mil e dezenove

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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