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22 de março de 2019
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13:38

Brisa leve e chuva mansa no calor úmido de verão

Por
Sul 21
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Na safra 2018-2019, estima-se que seja colhida cerca de 16 mil toneladas de arroz orgânico. (Foto: Leandro Molina)

Selvino Heck (*)

As sem terrinha e os sem terrinha vão avançando, mãos dadas, cantando alegremente: “Bandeiras vermelhinhas,/ o futuro está nas mãos dos sem terrinha.” Foi na décima sexta Festa da Colheita do Arroz orgânico, dia 15 de março, no Assentamento Santa Rita de Cássia II, Nova Santa Rita, Rio Grande do Sul. Diz a manchete do jornal Brasil de Fato: “Sem Terra colhem a maior safra de arroz orgânico da América Latina.”

Segue a matéria, na capa: “Quinze assentamentos da reforma agrária, distribuídos por 13 municípios do Rio Grande do Sul, transformaram famílias de Sem Terra na maior potência de arroz sem veneno do continente. Beneficiado, o grão está sendo exportado para os Estados Unidos, Holanda, Alemanha, Venezuela, Espanha e Portugal. Agora, novamente é hora de colheita no Sul. Mas a maior parte do arroz orgânico produzido pelo MST é destinada ao Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Assim, além de abastecer o Rio Grande do Sul, o alimento chega a São Paulo, Minas Gerais e Paraná. Na capital paulista, o MST deve entregar a escolas públicas cerca de dois milhões de quilos de arroz em 2019.”

Nas palavras do assentado Emerson Giacomelli, “aqui ninguém passa fome, ninguém é analfabeto, todos têm trabalho e renda. Não existe agricultor orgânico que não tenha uma cabeça aberta, uma cabeça que tenha política, que entenda de sociedade, que saiba de conjuntura e do novo momento. Isso é muito importante para nós”.

No mesmo dia 15 de março, foi lançado o livro ‘’Esperança democrática”, organizado por Nelson Dias, em debate com presença dos ex-prefeitos de Porto Alegre Olívio Dutra, Tarso Genro, Raul Pont e José Fortunati, comemorando os 30 anos do Orçamento Participativo, iniciado em Porto Alegre em 1980, estendido ao Estado do Rio Grande do Sul em 1999, e hoje presente no mundo inteiro. O OP, como se tornou conhecido, chamou a população para debater e decidir sobre o orçamento público, invertendo prioridades, enfrentando o neoliberalismo reinante, construindo a democracia na prática das comunidades e da população. Sem ser receita de bolo, é experiência insuperável, mostrando os limites da democracia representativa.

No sábado, 16 de marco, iniciou o Curso de Formação Cidadã/2019, da Escola de Ética e Cidadania Ana Isabel Alfonsin (Belinha), na ESTEF (Escola Superior de Teologia e Filosofia), em Porto Alegre, que “visa contribuir com a formação de lideranças comunitárias e sociais, para uma ação qualificada na esfera pública da sociedade. Dezenas de lideranças participaram da primeira etapa (o Curso acontece num sábado por mês, até o final de 2019, no “objetivo de aprofundar, refletir e orientar a participação das pessoas cristãs e de boa vontade na construção de uma sociedade democrática, justa, fraterna e solidárias, sustentável e inclusiva, tendo como parâmetro a garantia de Direitos Humanos, a adoção de Políticas Públicas e o Controle social sobre a ação do Estado”.

Foi como uma brisa leve e uma mansa chuva de verão a lavar almas, corpos, corações e mentes em dia de sol intenso e calor úmido, como costuma ser o verão gaúcho, no final de uma semana de tragédias no fim do verão, 10 a 14 de março de 2019, outono chegando, antes da viagem de subserviência do Presidente da República aos EUA: as mortes nas tempestades de São Paulo, o assassinato de jovens em escola de Suzano em São Paulo, a ‘comemoração’ de 1 ano do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, com milhares de pessoas na rua, perguntando: Quem matou? Por que assassinaram? Quem são os mandantes dos assassinatos?

Quem conhece o calor úmido do Rio Grande do Sul no verão sabe do que estou falando. Quase insuportável. Os que, ao longo do tempo, chegaram do Norte e Nordeste para o Fórum Social Mundial em Porto Alegre diziam que nunca tinham visto e sentido calor igual: mais de 40 graus, cansaço, suor por todos os poros, dificuldade de dormir. Só uma brisa leve no final do dia ou uma chuva mansa caindo na beira do rio Guaíba eram capazes de aplacar um pouco o calor extremo, misturado ao cansaço, à sonolência e à sensação quase intolerável de um clima anormal.

A semana de 10 a 14 de março de 2019 foi de um clima intolerável, como o verão gaúcho: pelas mudanças climáticas em curso no mundo, pela intolerância, preconceito e ódio crescentes na sociedade, pela juventude e mulheres assassinadas, pela criminalização dos movimentos sociais, pela desigualdade econômica e social no Brasil, pelas ameaças à democracia.

Os sem terrinha são brisa leve e chuva mansa. O Orçamento Participativo é brisa leve e chuva mansa. A reflexão sobre o presente e o futuro, a busca de alternativas são brisa leve e chuva mansa.

Há futuro, há esperança.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em vinte e dois de março de dois mil e dezenove

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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