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16 de dezembro de 2018
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11:29

Preparemo-nos (6): para o pior

Por
Sul 21
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Preparemo-nos (6): para o pior
Preparemo-nos (6): para o pior
(Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Selvino Heck (*)

Posso/podemos dizer que o governo eleito em 28 de outubro de 2018, que (ainda) não começou, já (quase) terminou?

No final de outubro/início de novembro, depois do segundo turno das eleições presidenciais, escrevi ‘Elementos de conjuntura nos novos tempos’, com três cenários possíveis/prováveis para o próximo período.

O primeiro, em resumo: “Haverá forte direitização em todos os sentidos, com corte de direitos, reformas em favor dos mais ricos, submissão internacional. A tensão social deve crescer no cotidiano, com forte, dura e direta repressão e controle dos movimentos sociais e dos que se opõem às políticas e reformas implementadas. O governo, mesmo sob muitas pressões de todos os lados, à direita e à esquerda, governará na base da força e da truculência, e do poder político dos seus aliados internos e externos.”

O terceiro, também em resumo: “A sociedade civil se organiza, cresce a desobediência civil, o governo perde autoridade e não consegue implementar suas políticas neoliberais e governar. Cresce a tensão social. O embate é na rua e na sociedade. É o cenário de vitória, em termos e no tempo, dos hoje derrotados eleitoralmente, ou pelo menos do enfrentamento de igual para igual entre sociedade/oposição unida ao governo eleito na base de fake news. O bloco político-econômico-midiático vencedor terá que recuar em suas políticas, ou será derrotado eleitoralmente em 2020 e 2022, ou mesmo não conseguirá chegar ao seu final, em 2022.”

O segundo cenário, não desprezível há 45 dias, mas hoje, meados de dezembro, cada vez mais possível, e assim descrito: “Estabelece-se o (quase) caos político-institucional-econômico-social, com violência generalizada, ataque aos Direitos Humanos e seus defensores, crise em todos os sentidos. A sociedade brasileira se levanta, mas não consegue hegemonia. O governo perde o controle relativo, apela para o uso extremo das Formas Armadas e das forças policiais. A repressão é brutal e cotidiana, o país torna-se (quase) ingovernável. A violência e a insegurança tornam-se absurdas, o crime organizado começa a tomar conta dos espaços, o governo perde o controle.

A democracia se enfraquece ou sucumbe, os pobres e trabalhadores sofrem, as consequências de um (quase) caos são imprevisíveis. É de longe o pior cenário, que não pode ser descartado neste momento. Levará um tempo para ser configurado, tampouco se sabe quanto durará: quando um dos dois lados sairá vitorioso ou controlará a situação. Nem pode-se saber, num cenário de (quase) caos, qual lado, se a situação de extrema-direita, ou se a oposição da democracia, sairá vitorioso, e com que custo, certamente muito alto, no plano social, político e econômico.”

Os fatos estão aí, todos os dias, cada dia mais preocupantes, sem ninguém poder prever o que vai acontecer nos próximos dias, semanas, meses e anos. E, coincidência ou não, estamos há exatos 50 anos da edição do famigerado AI-5 (Ato Institucional número 5), em 1968, quando as liberdades foram cerceadas, a tortura e os assassinatos recrudesceram, o exílio foi a porta de saída, e de vida, para muitos, a democracia foi enterrada definitivamente pela ditadura militar. E passaram-se 10 anos, 1978, até que começasse a ‘lenta e gradual abertura’.

Agora, 2018, a democracia está a perigo mais uma vez, os assassinatos de militantes e lutadores crescem, o controle da vida das pessoas em geral, e de ativistas em particular, via redes sociais, é assustador, levando a cuidados cada vez maiores para usar as redes sociais, para fazer reuniões e manifestações, para lutar por direitos, para viver em liberdade. Prepara-se a venda do Brasil e de suas riquezas a troco de banana, o futuro governo será comandado por militares, em especial generais. E bate-se continência aos EUA, no meio de uma crise internacional cada vez mais próxima, seja em termos geopolíticos, seja em termos econômicos, trazendo um componente de incerteza total para os próximos anos. No Brasil, cresce rapidamente a desigualdade econômica e social e com ela a pobreza, a fome e a miséria, que se apresentam no cotidiano das ruas e das famílias. A corrupção, ou os meios escusos de fazer política, tão combatidos na campanha eleitoral e usados como mantra principal pelo bloco vencedor, os dinheiros acumulados indevidamente, agora chegaram na ‘santa família’, sem explicação convincente, e no meio da crise, não se sabendo suas consequências no campo político.

Nos setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é preciso preparar-se/estar preparado para o pior no Brasil. O que fazer?

Algumas ideias, propostas, atitudes:

1. É preciso coragem e humildade militante ao mesmo tempo: nada de arrogância, muita determinação.

2. É preciso conversar/estudar muito para entender o que está acontecendo: criar grupos de pessoas para fazer análise de conjuntura, trocar experiências, conhecer a estrutura e história brasileira de classes e a história de luta e organização do povo trabalhador.

3. Ouvir muito mais que falar: ter paciência, ser tolerante, aprender.

4. Buscar a máxima unidade entre os democratas, os que defendem a justiça, a igualdade, entre os que estão no campo popular.

5. Caminhar para a desobediência civil, com lutas e manifestações por direitos no plano local, com organização na base.

6. Cuidado com todo mundo: ‘ninguém solta a mão de ninguém’. Cuidado com a vida, cuidado com as preocupações e dúvidas comuns, cuidado com as dores do coração, com as dores do corpo, com as dores do espírito.

7. Mais movimento, menos instituição. É tempo de movimento, não é tempo de instituição.

8. Os jovens e as mulheres que mostraram energia, força e capacidade de mobilização em 2018 serão vitais em 2019.

9. As ações solidárias, os grupos da Economia Solidária são fundamentais para a sobrevivência, em primeiro lugar, e, em segundo, para sinalizar um novo tempo, com novos valores.

10. Voltar à formulação, mesmo no meio da tormenta, de um projeto de sociedade, de um projeto de futuro alternativo à crise, de um projeto de esperança.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio do Grande do Sul (1987-1990)

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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