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21 de dezembro de 2018
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16:20

Nascer sempre de novo

Por
Sul 21
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Nascer sempre de novo
Nascer sempre de novo
Foto: Joana Berwnager/Sul21

Selvino Heck (*)

Mamãe, que fez 92 anos em final de novembro, caiu duas vezes nos últimos meses. Na primeira queda, quebrou três costelas. Na segunda, destroncou o ombro. A partir daí, passou a andar só de cadeira de rodas, que ela detesta. Continua lúcida, falando bastante, em alemão, língua com a qual nos comunicamos no cotidiano, comendo muito bem, especialmente doces, cucas, bolos, bombons, que ela adora.

Há duas semanas, avisei que viajaria no início da tarde, depois do almoço e da sesta, de Santa Emília, Venâncio Aires, interior do interior do Rio Grande do Sul, de volta a Porto Alegre. Arrumei as coisas, ‘roubei’ umas verduras que sobraram da Feira do Produtor feita de manhã pelos meus irmãos, para levar para a capital. Ia sair, quando ouço mamãe chamar pelo meu irmão Marino, que mora com ela. Fui olhar. Ela estava de pé, fora do quarto. Tinha levantado da cama, e caminhado sozinha vários metros. “Aba Mama? Dia ufgestand? Dia derft doch nicht allein aufsteie! – Mas como mamãe? A senhora de pé? A senhora não deve levantar sozinha!” – “ Ich war der Stuhl am suche – Estava procurando a cadeira de rodas.” – “Aber dia kent doch nochmo falle! – Mas a senhora pode cair de novo!”- “Aber du farst doch fort! – Mas tu vai viajar!”

Coloquei-a na cadeira de rodas, levei-a até a cozinha e me despedi. Ela fez questão de me dar a mão, como forma de despedida, sem deixar de dizer, preocupada: “Und noch so weit fahre! – E ainda viajar para tão longe!” Ela imagina que Porto Alegre, uma hora e meia de carro, está muito distante, e, quem sabe, seja perigoso.

Fui contar a história ao mano Marino, que explicou: “É que na última vez que estiveste aqui, não te despediste dela!” Lembrei que uma semana antes, mais ou menos no mesmo horário, preferi que ela continuasse sua sesta, em vez de acordá-la e dar-lhe um tchau.

Em tempos de Natal e final de ano, os pequenos gestos, na verdade grandes, são muito importantes. E necessários. Tempo de nascer/renascer.

Tempo também de abrir-se para o diálogo, de ouvir, quando a intolerância parece ter tomado conta de mentes e corações. Saber que o outro, a outra, filho/filha, irmã/irmão, parentes, amigas/amigos, companheiras/companheiras ajudam a viver, são a força que se precisa para levantar todo dia, para enxergar o horizonte, para agradecer por estar vivo.

A vida, afinal, é um eterno renascimento. Há o ontem, o que passou, mas sobretudo há o amanhã, há o que virá, o que está por ser feito. As surpresas do cotidiano ajudam a descobrir o quanto pode ser bela a vida. Não precisa nem deve ser feita de ressentimentos, de ódio, de desamor. Há sempre o que buscar, há sempre o que fazer diferente, sempre pode-se amar e ser feliz.

É hora de gestos, de querer conhecer, de aprender com os outros e as outras, com o mundo, de cuidar do meio ambiente, desde a simples ação de separar o lixo orgânico do não orgânico, defender árvores, florestas e águas. Abraçar a quem não se costuma abraçar, ter uma palavra de amor, ver quem nunca se olha, sorrir com todos os dentes, estar aberto ao novo e a quem nos cerca.

É hora de esperançar. Ter esperança, sim, para poder nascer de novo. A esperança de quem sabe que a verdade nos liberta. A esperança de quem age, de quem luta por direitos, de quem tem consciência cidadã, de quem é solidário, de quem crê na igualdade, na justiça, na solidariedade, no amor. Esperançar agindo, esperançar acreditando, esperançar sonhando. Esperançar cada dia, todos os dias, sem desistir, sem esmorecer, com fé na humanidade, no ser humano, no povo.

Nascer sempre de novo, aos 92, e aprender, nos meus quase 68. Nascer/ressuscitar como Jesus: nas palavras, nas ideias, no sonho, na busca do Reino. Mamãe quis/fez questão de despedir-se do filho mais velho, quase sempre fora/longe de casa, desde os onze anos de idade. E pôs-se de pé. Nasceu/renasceu. Mostrou que está viva para o cuidado. E para o amor.

Ninguém solta a mão de ninguém!

FELIZ NASCIMENTO/RENASCIMENTO A TODAS E TODOS!

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Membro da Coordenação nacional do Movimento Fé e Política.

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.

 

 


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