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14 de novembro de 2018
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16:22

‘Jesus sem-teto’ e Campanha da Fraternidade na prática

Por
Sul 21
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Papa presenteou o Rio de Janeiro com uma estátua em tamanho natural, um ‘Jesus Sem-teto’. (Foto: Rádio Vaticano)

Selvino Heck

Faltaram cadeiras, tanta gente compareceu na Livraria Paulus, Porto Alegre, em Seminário sobre a Campanha da Fraternidade/2019, logo depois do segundo turno eleitoral, promovido pelo CEBI/RS ([email protected]). E não era uma meia dúzia a mais que o previsto. Apareceu mais que o dobro: esperadas 60/70 pessoas, chegaram 130/140. Bom sinal? Mau sinal? O bom: estamos vivos, todas e todos estão muito vivas e vivos. Precisam se agrupar, estar juntos: ‘ninguém solta a mão de ninguém’, e é fundamental pensar o presente e o futuro. O mau: Os tempos estão/serão difíceis, ‘a água bateu no pescoço’, ‘ninguém solta a mão de ninguém’, é preciso, urgentemente, pensar o presente e o futuro. Ou, mais provável, as duas coisas ao mesmo tempo neste final de 2018.

Dada a falta de cadeiras, muita gente em pé, a Assessora do Seminário, Marilene Maia, professora da Unisinos/RS, perguntou: “De acordo com o tema da CF/2019, como vamos resolver o problema? Alguém tem alguma sugestão? Quem sabe um revezamento entre os que têm cadeira pra sentar e quem não tem? Ou, talvez, os mais jovens sentam-se no chão, aqui ao meu lado, onde tem lugar sobrando?”

Muitas e muitos começaram a se levantar. Passados poucos minutos, todas e todos estavam acomodadas/os. Até sobraram algumas cadeiras. Exemplo prático e concreto de fraternidade, decisão e solução coletiva e solidária, tomada à luz dos acontecimentos e das necessidades imediatas. Não bastam nem resolvem apenas bons discursos. É preciso colocá-las, as ideias e os discursos, em prática. É preciso agir.

O tema da Campanha da Fraternidade/2019 é mais que sugestivo e oportuno: Fraternidade e Políticas Públicas (maiores informações: www.edicoescnbb.com.br). O tema é “serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1, 27).

O objetivo geral da CF/19 é: “Estimular a participação em Políticas Públicas, à luz da Palavra de Deus e da Doutrina Social da Igreja, para fortalecer a cidadania e o bem comum, sinais de fraternidade.” Com os seguintes objetivos específicos: “1. Conhecer como são formuladas e aplicadas as Políticas Públicas estabelecidas pelo Estado brasileiro. 2. Exigir ética na formulação e na concretização das Políticas Públicas. 3. Despertar a consciência e incentivar a participação de todo cidadão na construção de Políticas Públicas em âmbito nacional, estadual e municipal. 4. Propor Políticas Públicas que assegurem os direitos sociais aos mais frágeis e vulneráveis. 5. Trabalhar para que as Políticas Públicas eficazes de governo se consolidem como políticas de Estado. 6. Promover a formação política dos membros de nossa Igreja, especialmente dos jovens, em vista do exercício da cidadania. 7. Suscitar cristãos católicos comprometidos na política como testemunho concreto da fé.”

Nestes tempos que o Brasil atravessa e quando está sendo preparada a Campanha da Fraternidade/2019, o Papa Francisco, profeticamente, presenteou o Rio de Janeiro com uma estátua em tamanho natural, um ‘Jesus Sem-teto’. Dia 18 de novembro, assim definido pelo Papa Francisco em 2018, é e será todos os anos o Dia Mundial dos Pobres.

‘Jesus Sem-Teto’: Jesus está estirado em cima de um banco de praça, uma coberta sobre o corpo, os pés descobertos, com duas perfurações à mostra. Retrato de um país, com as cidades cheias de população em situação de rua, a pobreza e a miséria e o desemprego aumentando.

Em 1992, havia 65 milhões de brasileiros pobres, 19,5 milhões extremamente pobres, com renda mensal inferior a R$ 70. Em 2014, fruto de diferentes políticas públicas, havia 19,2 milhões de pobres, sendo 5,1 milhões extremamente pobres. Em 2016, apenas dois anos depois, o número de pobres voltou a subir para 31,5 milhões. As políticas públicas estão sendo abandonadas/destruídas, os direitos dos mais pobres e excluídos estão sendo retirados.

A mensagem do Papa Francisco para o Dia Mundial dos Pobres diz: “As palavras do salmista tornam-se também as nossas no momento em que somos chamados a encontrar-nos com as diversas formas de sofrimento e marginalização em que vivem tantos irmãos e irmãs nossos, que estamos habituados a designar com o termo genérico de ‘pobres’.”

O Brasil vai ter que fazer uma coisa muito difícil em democracia, que é manter a democracia, disse Boaventura de Sousa Santos. Por isso, o gesto dos jovens em sentar no chão e ceder suas cadeiras para os que mais delas precisavam, é um exercício de Política Pública, de como o Estado e governos e sociedade devem preocupar-se com quem mais precisa, com quem passa fome, com quem está desempregado, provendo saúde, educação, segurança, assistência social, condições dignas de vida para os idosos.

O exercício da democracia exige igualdade de oportunidades, justiça. Diz o Texto-Base da CF/19, em seu número 16: “A palavra ‘política’ vem do grego ‘politikós’, que se refere a ‘pólis’, que era o lugar onde os gregos tomavam as decisões na busca pelo bem comum. Era o espaço para garantir a ordem e estabilizar a sociedade de maneira pacífica, sendo marcada pelo conjunto de interações e conflitos de interesses. Nesse sentido, ‘pólis’ é a cidade, isto é, o conjunto das relações, das organizações que possibilitam a concordância.”

Com esse espírito solidário e fraterno, de ações práticas e concretas de uma Política Pública de acolhimento e cuidado com a outra, o outro e a natureza, e com a presença de muito mais gente que o esperado num Seminário preparatório, começou mais que bem a Campanha da Fraternidade/2019 no Rio Grande do Sul. Proclamando, com a força das vozes unidas, ‘serás libertado pelo direito e pela justiça’.

Que assim seja, em 2019 e para todo sempre, no Brasil, na América Latina, no Planeta Terra.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1997-1990). Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

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