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23 de novembro de 2018
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13:42

A grave e longa crise que nos espera

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Sul 21
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A grave e longa crise que nos espera
A grave e longa crise que nos espera
A direita escravocrata, antidemocrática e antinacionalista veio para ficar por um bom tempo. (José Cruz/Agência Brasil)

Selvino Heck (*)

Não há saída para o campo popular a curto prazo, lamento dizer. O próximo período será tempo de muita luta, de muito trabalho de base, de muita formação política, de muita mobilização na rua, de muita construção de projeto, utopia e futuro. E isso tudo não se faz em um, dois, três ou quatro anos. A direita escravocrata, antidemocrática e antinacionalista veio para ficar por um bom tempo, como disse alguém por esses dias. E veio muito bem articulada, nacional e internacionalmente.

E não se disse ainda tudo ou não veio à luz tudo sobre a crise brasileira, já profunda e grave, e seus possíveis desdobramentos. Há aspectos e elementos que aparecem aqui ou ali, em geral escondidos, especialmente no plano mundial/internacional, para os quais é fundamental estar atento, porque poderão/deverão agravar tudo o que já está acontecendo ou está por acontecer.

Senão vejamos.

Arturo Bris, Diretor do Centro de Competitividade Mundial da Escola Mundial de Administração, IMD, de Lausanne, Suíça, um dos 100 acadêmicos de finanças mais lidos do mundo, disse em entrevista ao jornal Valor Econômico (05.11.2018): “O Brasil já tocou o fundo do poço. No curto prazo, cabe é mesmo enfrentar a crise atual. A economia mundial mostra sinais de que estamos num período de pré-crise. E O Brasil, no indicador de eficiência do governo do ranking de competitividade, está em último lugar, pior que a Venezuela.”

Segundo Nouriel Roubini, um dos primeiros a cravar a deflagração da crise de 2008, “a partir de 2020, as condições existentes podem começar a deterioração em direção à crise, seguida por recessão global”.

Relatório do banco JP Morgan, um dos maiores do mundo, diz: “O Brasil será classificado como um dos países mais arriscados no próximo ano em nossas previsões macro, em pior situação que Turquia e Argentina.”

Qual seria uma das saídas, segundo Arturo Bris, se a crise econômica global eclodir? “Um objetivo fundamental na economia mundial é reduzir as desigualdades sociais. Os monopólios tecnológicos como Apple, Google, Facebook, Amazon, estão criando desigualdades enormes entre os países e dentro dos países. Eu sou muito favorável à taxação dos gigantes da internet. Isso é necessário, pela desigualdade e porque fiscalmente é muito justo. O imposto que pagam é mínimo. Além disso, eles são monopolistas, extraem renda do consumidor porque a tecnologia é cara, e ainda não pagam imposto. Na Europa, só o Reino Unido e a Espanha têm proposta para impor taxa tecnológica.”

Se esse é caminho, ou um dos caminhos de saída, no quadro brasileiro atual não há qualquer possibilidade de saída, bem o sabemos. Quem vem financiando as Fake News desde 2013 e toda parafernália das redes sociais no processo eleitoral, a favor do presidente eleito? Quem age/agiu nos subterrâneos da política e sociedades brasileiras, plantando ‘valores’’, difundindo o anti-tudo, para que as pessoas não acreditassem em mais nada e fossem conduzidas pela mentira? Exatamente os monopólios tecnológicos que não pagam imposto.

Ao mesmo tempo, o número de novos bilionários no mundo bateu recorde em 2017. Os que já faziam parte desse clube viram suas fortunas combinadas subirem para US$ 9,2 trilhões, o maior patamar histórico até aqui. 2017 foi um ano para comemorar para os muito ricos. 357 ricaços alcançaram a marca de US$ 1 bilhão. Um aumento de 1,9%, chegando a 2.754. Jeff Bezin, da Amazon (um dos gigantes do monopólio tecnológico), tornou-se o homem mais rico do mundo, passando de uma fortuna de US$ 34,2 bilhões para US$ 133 bilhões.

Já o Brasil ganhou 12 novos bilionários em 2017, passando de 31 para 47, segundo a ONG OXFAM. Cinco bilionários brasileiros têm patrimônio equivalente ao da metade mais pobre da população brasileira.

E se a crise mundial eclodir nos próximos dois ou três anos, como preveem analistas liberais e conservadores? O que acontecerá? Os generais vão entrar em ação? Afinal já estão e estarão em postos chaves do futuro governo federal, ocupando inclusive a vice-presidência da República. Não se pode desprezar esta hipótese. Até porque o empobrecimento geral da população, com suas consequências de miséria, fome, violência, desemprego já está em curso há algum tempo, e irá se acelerar.

Ou, em caso de crise global, as medidas econômicas serão anticíclicas, como foram as tomadas em 2008/2009 e que fizeram que a crise de então não passasse de marolinha no Brasil? Mas não foram os bilionários e as gigantes da internet que patrocinaram, com suas Fake News e todo seu arsenal, o presidente recém eleito? Ou vai se vender/privatizar tudo, terras, florestas, pré-sal, BB, CEF, Petrobrás, a Amazônia e tudo mais na bacia das almas para ter algum em caixa e assim, de algum modo, tentar enfrentar a crise? Que Brasil ficará para o futuro?

O quadro, pois, é bem mais grave do que aparece à primeira vista, ou do que a vista e a primeira análise alcançam. Se a crise eclodir, mais cedo ou mais tarde, em quem, em primeiro lugar, vai bater, aliás já está batendo, com suas consequências? Sobrará para os países da periferia, sem Mercosul, UNASUL, CELAC, BRICS para defendê-los (o governo eleito e que vai tomar posse em primeiro de janeiro está dinamitando/dinamitou todas as pontes, exceto os EUA). E sobrará, como sempre na história brasileira, para os mais pobres entre os pobres: fome, miséria, desemprego, violência, empobrecimento geral.

Primeira atitude: parar de se iludir, e achar que uma saída está logo ali adiante, na primeira esquina. Achávamos, muitos, eu inclusive, que não haveria impeachment, que Lula não iria para a cadeia, e que Haddad e Manuela até poderiam ganhar a eleição, ainda mais com as mobilizações das mulheres e da juventude na reta final de campanha (houve impeachment, Lula está na cadeia, sem perspectiva de sair, ‘ele’ ganhou as eleições e é presidente). Segunda: parar de pensar que vai se sair da crise e superar a tormenta em curso em curto prazo. É tudo para médio prazo, não menos de cinco anos, e longo prazo, mais de dez anos. Terceira: até lá, é preciso consciência, firmeza, esperança. E muito trabalho de base, formação política, mobilização de massa, construção cotidiana da democracia.

Esperançar, na palavra de Paulo Freire. Não é esperar. É resistir, é fazer acontecer.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)

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