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14 de julho de 2018
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11:05

Um longo e tenebroso inverno em nossas vidas e na sociedade

Por
Sul 21
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Um longo e tenebroso inverno em nossas vidas e na sociedade
Um longo e tenebroso inverno em nossas vidas e na sociedade
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Selvino Heck (*)

Em 2018, o inverno gaúcho aconteceu nas ruas, nos campos, dentro e fora de casa. Ao contrário de anos anteriores, foi intenso: geadas, vento minuano cortante, chuva com frio, nevoeiro que parecia chuva o dia inteiro, frio, frio, muito frio, dias, semanas inteiras sem um pingo de sol! Muito fogão a lenha para quem ainda o tem, um monte de cobertas para aquecer na noite e na madrugada, outro tanto de casacos, blusas, cuecões, meias e meiões, um chima/chimarrão quente e gostoso, pinhões na chapa do fogão a lenha, pipocas doces e/ou salgadas. Aí de quem não tem banho quente, dos que moram nas ruas ou em casebres. Feliz de quem ainda tem cabelos compridos cobrindo as orelhas e o pescoço, barba à la Marx para aquecer o rosto.

Em 2018, o inverno também acontece nas vidas e na realidade da sociedade, todos os dias, o tempo todo, manhã, tarde, noite madrugada, sete dias da semana, 30/31 dias de cada mês. Desemprego galopante, pobreza e misérias crescentes nas ruas, o Brasil voltando ao Mapa da Fome de onde tinha saído em 2014 segundo a ONU, a população em situação de rua aumentando a olhos vistos a cada dia, o desencanto do povo de quase tudo, até da Copa e da seleção de futebol, a desesperança, o ódio do outro, a política e os políticos desprezados às vésperas de uma eleição que decide o futuro do pais como cachorros sarnentos e cheios de pulgas, O Sistema de Justiça apodrecido, a intolerância, a falta de respeito e diálogo com o diferente, a democracia fortemente ameaçada depois de um golpe que derrubou uma presidenta legitimamente eleita, as medidas anti-povo, a perda de direitos de trabalhadoras e trabalhadores, a corrupção varrendo todos os ambientes, a começar pelos governamentais, a grande mídia dominando consciências e despejando detritos, mentiras e lixo sobre as cabeças e mentes, derretimento de um povo, de um país, de uma Nação.

Inverno tenebroso também no mundo em todos os sentidos, com as guerras, as crianças sendo separadas de país e famílias por um governo norte-americano ultraconservador e um presidente sem amor pelo povo sofrido, as multidões vagando soltas e sendo despejadas em todos os lugares e qualquer lugar, apesar dos apelos do Papa Francisco, as notícias falsas , as famosas ‘fake news’ sendo despejadas nos ouvidos da massa como se fossem verdade, uma onda de conservadorismo, às vezes fascista/nazista, (quase) dominando governos, a sociedade e o mundo.

A conjuntura brasileira, latino-americana e mundial não está pra peixe.

Onde há um fogão a lenha para aquecer pés e mãos? Onde um raio de sol fugidio passa por entre os dedos para esquentar o corpo e o coração? Onde uma lareira, ou uma fogueira, cheia de brasas incandescentes, brilha para aquecer a solidão e o silêncio dos que dormem nas calçadas, dos que não têm dinheiro para forrar o estômago de alegria e calor? Onde fios de esperança aquecem almas, sentimentos, comunidades?

Felizmente ainda há résteas de luz a iluminar a vida, o tempo, o futuro, mulheres e homens de boa vontade e coração aberto. Não há apenas um frio e tenebroso inverno.

O Papa Francisco é um raio de luz, sol, calor e sentido da vida, da fé e da política, com sua encíclica Laudato Sì, e o pedido para que todas e todos, cristãs, cristãos, não cristãs e não cristãos engajem-se a favor da ecologia integral, para salvar o futuro da humanidade, e estejam do lado dos migrantes, dos desprotegidos, dos pobres e das trabalhadoras e dos trabalhadores, unam-se em favor do bem comum e da Boa Nova.

As eleições no México e a vitória de Lopez Obrador, o novo presidente mexicano, dão um novo alento para governos que propõem o diálogo, a democracia e a soberania do continente latino-americano ante o poder e a intolerância dos governos do Norte, especialmente o norte-americano, que quer construir um muro separando o México dos Estados Unidos, e separa pais e filhos como se fossem párias ou bandidos. Os ventos da integração, da democracia e do olhar para os pobres voltam a soprar na América Latina.

Aconteceu o Congresso do MOBREC, Movimento Brasileiro de Educadoras/es Cristãs/os, realizado em Santa Maria no início de junho, com a presença de centenas de educadoras, educadores, estudantes, refletindo sobre a ‘Educação Popular: Protagonismo dos Sujeitos na Construção do Conhecimento para o Exercício da Cidadania Ativa’, ouvindo experiências em escolas e comunidades, no exercício da sabedoria popular e da democracia na educação e na sociedade (Ver em www.mobrec.com.br).

Foi lançado em Porto Alegre no final de junho o M3D, Movimento Democracia, Diálogo e Diversidade, reunindo amplos setores sociais, das comunidades de base, movimentos sociais às Universidades, para defender e construir, como diz em seu Manifesto, a “convivência democrática, o respeito à diversidade, os direitos fundamentais, a justiça social, o patrimônio público e a soberania nacional” (Ver em www.facebook.com/M3D; [email protected]) .

Vai acontecer a vigésima quinta FEICOOP, Feira Internacional Jubilar do Cooperativismo, dizendo que ‘um outro mundo é possível, uma outra economia acontece’, de 12 a 15 de julho em Santa Maria, a tornar o longo e tenebroso inverno em tempo calorento, cheio de claridade, tepidez solidária, aquecimento do corpo, da vida, da realidade, das fontes da sociedade. Com a FEICOOP, acontecem o Terceiro Fórum Mundial Temático de ECOSOL, a Terceira Feira Mundial de ECOSOL, os 10 anos de Comemoração do Fórum Mundial de Educação e a Décima Quarta Caminhada Mundial Ecumênica pela PAZ e Justiça Social (Ver em www.esperacacooesperanca.org.brwww.facebook.com/feicoop/). E com um tema absolutamente atual, que bem traduz as angústias e, ao mesmo tempo, as urgências dos tempos que vivemos: CONSTRUINDO A SOCIEDADE DO BEM VIVER: POR UMA ÉTICA PLANETÁRIA.

Uma sociedade do Bem Viver, à raiz da sabedoria indígena e dos ancestrais, traduzida para o século XXI, numa perspectiva de ética, de valores solidários, de cooperação entre pessoas, comunidades e povos, além de ser uma urgência e necessidade históricas, vai ajudar a superar o longo e tenebroso inverno e levar a um Reino de Paz, Justiça, Igualdade, Fraternidade, como a FEICOOP sempre não só pregou, mas praticou em suas 25 edições, abençoada por Dom Ivo Lorscheiter e hoje, certamente, com as bênçãos generosas do Papa Francisco.

Vai levar algum tempo até mudar a correlação de forças da conjuntura, especialmente em nível macroeconômico e macropolítico. Mas o longo e tenebroso inverno de 2018 não vai durar sempre. Logo, logo, virá o sol, brilhará a primavera, no Brasil, na América Latina, no mundo. Os dominantes não serão sempre dominantes. A voz do povo continuará a se levantar e será ouvida, assim como as iniciativas de base, as organizações populares, a Economia Solidária alimentam e alimentarão as pessoas e a sociedade com seu frescor de vida e esperança.

Este artigo, escrito a pedido da Irmã Lourdes Dill, animadora mór da FEICOOP, ficou pronto antes dos rumorosos acontecimentos do domingo 8 de julho, Habeas Corpus de libertação de Lula, primeiro concedido, depois negado, a confirmar o quadro do ‘longo e tenebroso inverno’ midiático, jurídico e político.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Membro da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

 


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