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23 de junho de 2018
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10:50

Fé e Política em minha vida

Por
Sul 21
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Fé e Política em minha vida
Fé e Política em minha vida
Passagem da Caravana de Lula por São Miguel das Missões (22/03/2018 – Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Selvino Heck (*)

“Se eu não entrasse no sindicato, possivelmente seria um beato hoje, porque eu rezava de manhã, de tarde e de noite. Até que a vida política me fez perguntar: ‘Espera aí, religiosidade e fé não é ficar rezando 24 horas por dia.’ Isso é um pouco de doença. Você precisa fazer outras coisas, sem perder a sua fé, sem perder a sua religiosidade. Eu acho que isso me deu um caminho, a mistura da consciência política com a minha fé cristã. Acho que me deu um rumo certo.

Você não pode separar a questão da religião e da fé da questão política. Eu estou convencido. Não basta um padre ou um pastor ou um leigo qualquer, como nós, chegar todo santo dia, encontrar com um companheiro e falar apenas da questão espiritual. Não dá! Num país onde 54 milhões de pessoas passam fome, num país onde milhões de mulheres morrem quando são submetidas a um aborto, num país onde crianças morrem de desnutrição, num país onde predomina a insensatez e a corrupção, a gente não pode aceitar a ideia de alguém cuidar do espírito e não cuidar da cabeça dos seres humanos deste país, para eles se libertarem e darem um salto de qualidade.”

Hoje meu artigo é um testemunho. E não é um testemunho qualquer, de qualquer um. É o  testemunho de alguém injustamente preso que continua acreditando na vida.

Em 2000, o Movimento Fé e Política fez seu Primeiro Encontro Nacional de Fé e Política, em Santo André, São Paulo, com milhares de participantes. O tema era “Mística da militância”, mais que apropriado em tempos neoliberais. Muitos foram dar seu testemunho, a fé e a política na sua vida: João Pedro Stédile, Vicente Paulo da Silva, o Vicentinho. E ele, Lula. As palavras de abertura deste texto são de Lula em Santo André em 2000.

Disse mais Lula: “Quando eu digo para um companheiro de manhã: ‘Você tem de ter fé que vai melhorar o salário mínimo’, não vai resolver nada. Ou vai? Eu pelo menos aprendi com estes meus amigos combativos da Igreja que não dá para a gente dizer ‘Meus queridos filhos, a gente está sofrendo aqui, mas a gente vai ser feliz quando a gente morrer’. Não. Não dá pra aceitar isso! Nós temos de viver bem é agora! Se a gente tiver uma vida melhor, vamos brigar para ser bem melhor ainda. Mas a gente não pode se conformar.

Continua Lula: “Embora sejamos todos iguais, tem gente mais comprometida do que outras com um determinado tipo de luta. Quem é que está errado? São os trabalhadores que brigam pela Reforma Agrária ou aqueles que recusam fazer a Reforma Agrária? Quem está errado? Aqueles que brigam pelo aumento do salário mínimo ou aqueles que negam o salário mínimo? Quem está errado? Aqueles que fazem uma casa para morar ou aqueles governantes que não fazem casas para as pessoas morarem? Quem está errado? Aqueles que brigam para comer ou o que negam o direito de comer?”

Ainda Lula: “Todos os cristãos deveriam saber separar o joio do trigo e, portanto, viver 24 horas do dia destas coisas. Somente assim o povo vai entender, somente assim este povo de Deus vai se libertar. A gente precisa transformar a nossa fé num gesto de conscientização do próximo“ (Para quem quiser ler o testemunho completo e outros textos e testemunhos do Encontro em Santo André e outros Encontros: www.fepolitica.org.br).

Enviei mensagem para Lula através de Frei Sérgio Görgen, que o visitou na cadeia: “Caro amigo e companheiro Lula. Quando meu sempre confrade Frei Sérgio comunicou-me que ia te encontrar, e dizendo que levaria mensagens para ti, mil fatos e histórias povoaram minha cabeça: o Fundo de Greve que organizamos, no final dos anos 1970, na Lomba do Pinheiro onde eu morava como frei franciscano, em apoio aos metalúrgicos em greve no ABC, a segunda reunião da ANAMPOS (Articulação Nacional dos Movimentos Populares e Sindicais), onde te conheci pessoalmente e a Frei Betto, a construção do PT e da CUT, os comícios Rio Grande afora, as Caravanas, uma visita a teu apê em Brasília compartilhado com Olívio e Paim em tempos de Constituinte, eu deputado constituinte estadual, as fotos contigo que tenho num mural na minha casa e, finalmente, o governo Lula em 2003, o Fome Zero – ’matar a fome de pão, saciar a sede de beleza’ -, o TALHER, a Rede de Educação Cidadã (RECID) e todas as políticas e programas pelos pobres deste país.

Mas, principalmente, fui reler teu testemunho emocionante no Primeiro Encontro Nacional do Movimento Fé e Política em Santo André em 2000, palavras tuas hoje confirmadas pelo Papa Francisco. Nas tuas palavras, ‘Fé e Política em minha Vida’: “Eu estou convencido. Não basta um padre ou um pastor ou um leigo qualquer, como nós, chegar todo santo dia, encontrar um companheiro e falar apenas da questão espiritual. Não dá! A gente precisa transformar a nossa fé num gesto de conscientização do próximo. Então, eu penso que todo dia de manhã a gente tem de rezar e toda noite ter uma conversinha de pé de ouvido com Deus. Vamos saber, no final de cada dia, qual o trabalho que a gente fez para conscientizar e politizar uma pessoa, para dar o sentido de cidadania. Por isso, companheiras e companheiros, eu quero, do fundo do coração, dizer para vocês que, participando deste Encontro de Fé e Política, vocês renovam a nossa fé de que um dia a gente vai mudar este país de verdade.”

Estamos juntos, companheiro Lula, ontem, hoje e sempre, na fé e na esperança. Em 2018, SEM MEDO DE SER FELIZ! MARIELLE VIVE! LULA LIVRE! Do amigo e companheiro Selvino.”

Este é Lula, preso ou livre, com a mística da militância, presidente da República ou não, em 2000 e em 2018 . Por isso, Frei Sérgio, depois de visitá-lo na cadeia em Curitiba, disse: “Lula não cultiva ódio, apenas o amor pelo país e pelo povo brasileiro. O presidente Lula não admite que o povo brasileiro volte a passar fome, que sofra pela falta de trabalho. Para ele está na hora do próprio povo defender o nosso país, reagir antes que eles (os golpistas) destruam tudo.” E Frei Sérgio escreveu em ‘O que me move é o amor’: “Um líder forte e provado na dor, na perseguição, na injustiça, mas que não se acovardou, não se afastou de seu povo nem traiu seus sonhos e esperanças.”

Lula (ainda) está preso. Cabe, a quem acredita nas suas ideias e tem a sua fé, fazer a sua parte todos os dias.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990), integrante da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política.

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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