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1 de abril de 2018
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10:01

Vida, vida, mais vida

Por
Sul 21
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Vida, vida, mais vida
Vida, vida, mais vida
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Selvino Heck (*)

28 de março de 1968, há 50 anos, numa manifestação estudantil no Restaurante Calabouço, a Polícia Militar do Rio de Janeiro matou o estudante Edson Luís de Lima Souto. O movimento estudantil se acendeu, o que levou à Passeata dos Cem Mil em junho de 68. O regime militar endureceu. Como resposta, editou o Ato Institucional número 5, AI-5, em 13 de dezembro de 1968, suprimindo todas as liberdades.

Março de 2018: “As marcas dos homicídios não estão presentes apenas nas pesquisas, nos números, nos indicadores. Elas estão presentes sobretudo no peito de cada mãe moradora de favela ou mãe de policial que tenha perdido a vida. Nenhuma desculpa pública, seja governamental ou não, é capaz de acalentar as mães que perderam seus filhos. Não há como hierarquizar a dor, ou acreditar que apenas será doído para as mães de jovens favelados. O Estado bélico e militarizado é responsável pela dor que paira também nas 16 famílias dos policiais mortos desde o início das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadoras).” Este é um trecho da tese de mestrado de Marielle Franco, vereadora assassinada ainda não se sabe por quem, profética, cheia de dor e amor.

“Somos o país mais violento do mundo: 60 mil assassinatos por ano. A cada 100 mortos, 71 são negros” (Fabio Bernardi, ‘Marielle, Luiz Octavio e todos nós’, Zero Hora, 20.03.18). O Brasil é um país especialmente difícil para os defensores dos direitos humanos, escreve Marcos Rolim em “Os ‘matáveis’ e a Semente” (Sul21). “Em 2016, 66 deles foram assassinados. Nos primeiros seis meses do ano passados, tivemos mais 58 defensores mortos, a maioria formada por lideranças rurais, indígenas ou de ativistas envolvidos com questões ambientais. A esses assassinatos, que produziram apenas silêncio, devemos somar os milhares de jovens pobres, negros em sua maioria, que são executados a cada ano em operações policiais ou pela ação de grupos de extermínio. Em dez anos, entre 2005 e 2014, 8.466 pessoas foram mortas em operações policiais apenas no Rio de Janeiro. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 99.3% das vítimas dessas operações são homens, 82% têm entre 12 e 29 anos e 77% são negros. Em 2017, foram 134 policiais militares assassinados no Rio de Janeiro. Só esse ano já foram 30.”

Nos últimos dias foram dezenas de assassinatos Brasil afora: favela da Rocinha, Condomínio Carlos Marighella, em Maricá, Rio de Janeiro, Condomínio Princesa Isabel em Porto Alegre, para citar apenas alguns mais notórios. A Produtora cultural Rebeca Brandão, de Maricá, Rio de Janeiro, desabafou: “Ontem 5 jovens organizadores da Roda Cultural de Maricá foram executados no Condomínio onde moravam. Os suspeitos pelo crime têm nome, endereço, testemunhas e mandantes de farda. Às vezes eu acho que nem a gente sabe o grau de periculosidade que é trabalhar com cultura, com o simbólico, em 2018 no Rio de Janeiro. Meus heróis não morreram de overdose. Morreram assassinados pelo Estado. O fim da democracia tirou dos porões os antigos e os novos fascistas.”

Parece que a violência tomou conta do Brasil. Assim como o relho, durante a Caravana de Lula pelo Sul do Brasil, levando a presidenta Dilma a dizer, em coletiva para a imprensa internacional: “O velho chicote é a arma que a Casa Grande usa contra a senzala. Onde estava o interventor federal no momento da morte de Marielle Franco e Anderson Gomes? Onde estava o interventor no momento da morte de oito pessoas na Rocinha? E na morte de cinco jovens em Maricá? No Brasil, a exclusão e o privilégio nasceram juntos. Fomos o último país a abolir a escravidão.”

Estamos em semana em que revivemos/celebramos a paixão/morte de um condenado de 33 anos, chicoteado, obrigado a carregar a própria cruz onde seria crucificado e onde morreria por pregar a vida, vida em abundância! E está no seu final a profética Campanha da Fraternidade/2018, ‘FRATERNIDADE E SUPERAÇÃO DA VIOLÊNCIA. Sois todos irmãos’.

É preciso cantar ‘Coração de Estudante’ com Milton Nascimento e Wagner, canção de homenagem a Edson Luís de Lima Souto: “Quero falar de uma coisa,/ adivinha onde ela anda./ Deve estar dentro do peito/ ou caminha pelo ar./ Pode estar aqui do lado,/ bem mais perto que pensamos./ A folha da juventude/ é o nome certo desse amor./ Já podaram seus momentos,/ desviaram seu destino,/ seu sorriso de menino/ quantas vezes se escondeu./ Mas renova-se a esperança,/ nova aurora a cada dia./ E há que se cuidar do broto/ pra que a vida nos dê/ flor, flor e fruto./ Coração de estudante,/ tomar conta da amizade,/ alegria e muito sonho/ espalhados no caminho,/ verdes, planta e sentimento,/ folhas, coração,/ JUVENTUDE E FÉ.”

Que a paixão e a morte levem a mais vida, levem à ressurreição. É o que clamam e precisam brasileiras e brasileiros.

Feliz passagem da morte para a vida, da paixão para a ressurreição a todas e todos!

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Da Coordenação Nacional do Movimento Fé e Política. Em vinte e oito de março de dois mil e dezoito.


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