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5 de abril de 2018
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14:58

Preparemo-nos!

Por
Sul 21
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Preparemo-nos!
Preparemo-nos!
Vigília em defesa de Lula, em Porto Alegre, durante julgamento de Habeas Corpus no STF. Foto: Guilherme Santos/Sul21

Selvino Heck (*)

Escrevi e distribuí mensagem dia 19 de março para um conjunto de companheiras/os de todo Brasil, antes do início da caravana Lula pelo Rio Grande do Sul, quando a serpente do fascismo mostrou aos quatros vento seu veneno.

“PREPAREMO-NOS! Tendo voltado no sábado, dia 17, do fervilhante Fórum Social Mundial em Salvador, Bahia, Nordeste, o revigorante (re)encontro com  companheiras/os, amigas/os, e tendo participado de conversas mil, da Marcha de Abertura, de Atividades de Convergência e Autogestionadas, de Rodas de Conversa, das Assembleias dos Povos, das Mulheres e pela Democracia, de volta, enfim ao lar bendito, tomado com calma, depois de uma sema, um chima com erva-mate da terrinha,  uma caipa feita no capricho, e descansado um tanto, entrei na internética e nas redes sociais para ver o que estava rolando, ler o que não consegui ler durante a semana, especialmente sobre o assassinato de Marielle e Anderson: notícias, informações, análises, comentários, reflexões de todos os tipos, olhares e matizes.

Me convenci: o que está acontecendo no Brasil (América Latina e mundo) e o que está por acontecer no Brasil é muito, muito, MUITO mais sério do que conseguimos ver e antever agora, hoje, 19 de março de 2018, e do que, regra geral, com suas exceções, foi dito, discutido e analisado no FSM em Salvador.

Ontem, fui comprar os jornais do final de semana (coisa que só faço sextas e domingos por causa de alguns ainda legíveis Cadernos culturais). A dona da banca de jornais no Largo Glênio Peres, Porto Alegre, ao lado do Mercado Público, disse-me o seguinte: 1. Estou vendendo 30% menos do que eu vendia em outras épocas, sinal da crise, especialmente no setor de serviços e de ‘bens supérfluos’; 2. Muitas pessoas, as que mais lêem e, portanto, mais sabem das coisas, dizem que estamos caminhamos para o Estado de Sítio; 3. Não vamos ter eleições em outubro. ‘Eles’ vão dar um jeito de jogá-las para adiante, sem Lula.

Sinal dos tempos (e das ruas), uma dona de banca de jornais e revistas dizer isso e ter consciência da gravidade da situação brasileira.

A direita raivosa, o Poder Judiciário totalmente dominado (não esquecer que o presidente do STF de então apoiou o golpe militar em 64), a Globo tentando se apropriar de Marielle, sem dizer que ela era radicalmente contra a intervenção militar no Rio, o governo golpista cada vez mais golpista (se é que isso é possível), os assassinatos de jovens, militantes, de mulheres todos os dias, a insegurança geral, tudo isso conspira contra nós, de esquerda, democratas, progressistas, e o povo. Estamos na antessala de não sei bem o que, mas tende a ser muito terrível, que eleição nenhuma (se é que vai ter eleição em outubro, como muita gente boa já disse, até a dona da banca de jornais, ou vem dizendo, e eu venho escrevendo há meses. E estamos a menos de seis meses de uma eleição que muitos duvidam/duvidamos que vá acontecer. E se acontecer, com quais candidatos, com que regras, em que condições, etc.

Para reforçar meus argumentos, vamos olhar dois fatos da história. Em entrevista ao Sul21 (“É evidente que o Brasil não vive um momento democrático. Crise tende a se aprofundar“, James Green lembra que o Brasil teve apenas 43 anos de democracia e 474 sem democracia; (ler também os Xadrezes em www.luisnassif.com.br):

1. Em 1963/64 (e anos antes, suicídio de Getúlio, quase não posse do Juscelino em 1955/56, não posse de Jango em 1961), todas as mobilizações de Brizola e movimentos sociais resultaram no golpe militar, com apoio do STF da Globo, Folha, Estadão et caterva; 2. 1968: o assassinato do estudante Edson Luiz de Lima Souto, em março, no Rio, pela Polícia Militar, que produziu a histórica Passeata dos 100 Mil em junho, levou à edição do AI-5 em dezembro de 68, e ao fechamento total do regime militar, a perseguição a toda e qualquer oposição, prisão, exílio, tortura, assassinatos, e tudo mais que conhecemos.

Essa é a direita brasileira, historicamente. Hoje, 2018, forças cada vez mais irracionais, com apoio de setores das classes médias e do grande capital nacional e, especialmente, do internacional, da grande mídia, mais uma vez os mesmos de então, Globo, Folha, Estadão et caterva, apostam tudo no fim da democracia, se for necessário no caos, na destruição de um país soberano e de um povo que luta. Não há mais leis, não há mais Justiça, não há mais Constituição Cidadã  (parte dos que a escreveram, golpista Temer à frente, que foi Constituinte, a estão rasgando todos os dias), as forças policiais e militares fora de controle (ou tudo sob seu controle), a destruição do Estado, o fim das políticas sociais a favor dos pobres e trabalhadoras/es, e muitas coisas mais que não preciso enumerar. Neste contexto, as forças repressoras sentem-se livres e legitimadas para qualquer coisa, como estamos vendo todos os dias e de forma cada vez mais aguda, com o Exército cada vez mais  na linha de frente, ocupando espaços de governo e nas ruas.

É pré 54, pré 64, pré dezembro de 68!

O problema, pois, não é apenas Lula, que será preso em algum momento – (‘eles’ precisam da foto dele sendo algemado, colocado no camburão e preso, como me disse Gilberto Carvalho no FSM), ou o PT. O problema é a esquerda como um todo, a democracia, a participação popular, a luta por direitos, o sonho da mudança e de um país livre e justo, a soberania nacional. Neste contexto, para ‘eles’ vale tudo: não há mais limites nem fronteiras.

Que fazer? Difícil saber. Algumas ideias/propostas, para debate, ação política e agenda do próximo período, agenda não exclusiva, ou mesmo preferencialmente, eleitoral.

  1. Parar de se iludir. Achar, por exemplo, que o assassinato de Marielle e Anderson vai oportunizar uma virada. Mais provável que não. Poderá levar ao endurecimento e a maior repressão.
  2. Achar que a eleição de outubro, se acontecer, vai resolver todos os problemas. Em todo caso, é preciso exigir e lutar por eleições em outubro, com a possibilidade e o direito de Lula ser candidato.
  3. Estudar, aprofundar a reflexão sobre a estrutura de classe e a história brasileiras, a correlação de forças, a luta de classes a pleno em curso, de preferência coletivamente.
  4. Fazer/retomar o trabalho de base, a formação política e a organização popular. Ocupar todos os espaços possíveis, do bairro/comunidade às articulações nacionais.
  5. Preparar-se e estar prontos para uma luta de médio e longo prazos.
  6. Organizar cada vez mais luta de massas, aos poucos e sempre mais, de multidões.
  7. Trabalhar toda unidade possível, urgente e necessária, do campo popular, da esquerda, progressistas, democratas, para resistir ao que virá. Realizar/organizar unitariamente o Congresso do Povo com todas as forças políticas nos próximos meses.
  8. Ir para a desobediência civil. Foi assim a resistência nos anos posteriores a 64: a luta de todas as formas, as greves legalmente proibidas mas legítimas, as ocupações no campo e na cidade, nas Universidades e escolas, e tantas outras formas de desobediência civil dos tempos da ditadura, a serem pensadas nos tempos de hoje e no contexto atual. O uso, por exemplo, dos atuais meios de comunicação, rádios comunitárias, redes sociais, etc.

Estou pessimista, ou estou sendo realista? Estarei delirando, vendo fantasmas à luz do dia? Mas é como vejo o quadro atual, a conjuntura e seus desdobramentos. Tomar que eu esteja redondamente enganado.”

O texto/mensagem foi  escrito na manhã de 19 de março de 2018, dia em que Lula começou sua Caravana pelos Estados do Sul. Lula não estava na iminência de ser preso, como está agora, depois da decisão do STF de ontem, 4 de abril. Era uma semana depois do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes, que completa um mês em 14 de abril. Aliás, quem os assassinou? Nos últimos dias, o Comandante das Forças Armadas começou a dar declarações políticas fora de sua alçada. E tantas outras coisas acontecendo a cada dia, que só agravam o quadro descrito em 19 de março, depois do Fórum Social Mundial em Salvador.

Tempos duros, duríssimos esperam os democratas, os que lutam por justiça, querem paz, direitos e democracia. Preparemo-nos!

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em cinco de abril de dois mil e dezoito.


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