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4 de março de 2018
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11:28

Pretos, pobres e prostitutas

Por
Sul 21
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Pretos, pobres e prostitutas
Pretos, pobres e prostitutas
Forças Armadas fazem operação conjunta em comunidades de periferia no Rio de Janeiro. (Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil)

“Que país é esse?”,  profetizavam Renato Russo e Legião Urbana nos anos 1980: “Nas favelas,/ no Senado,/ sujeira para todo lado,/ ninguém respeita a Constituição,/mas todos acreditam no futuro na nação.”

“As fotos dos soldados do Exército revistando mochilas de crianças negras, no Rio de Janeiro, são o retrato escarrado do nosso país”, escreve Pedro Breier em ‘As mochilas das crianças e o helicóptero dos políticos’ (In www.ocafezinho.com,  27.02.18).

As mochilas das crianças das favelas do Rio são revistadas quando vão para a escola ou vão passear. O helicóptero da família Perrela, de Minas Gerais, apreendido com 445 kg de pasta base de cocaína, que poderia render 2.225 kg de cocaína refinada, ficou por isso mesmo. Nem investigação sobre os donos do helicóptero ou sobre os beneficiários da cocaína, muito menos condenação ou prisão de quem quer que seja. O problema são as mochilas das crianças negras da favela. Aliás, “seriam necessárias 445 mochilas abarrotadas com 5 kg de cocaína cada uma para chegar à quantidade encontrada no helicóptero”.

Pobres, pretos e prostitutas (e alguém poderia dizer, petistas), moradores de bairros, vilas, favelas, becos, vielas em algum lugar do Brasil, são revistados e presos, com e sem culpa, tratados preventivamente como criminosos e/ou como se fossem responsáveis pela insegurança e criminalidade crescentes.

No Rio Grande do Sul, Estado que em 2017 fechou 2 mil turmas de aula nas escolas, o Secretário estadual da Educação, Ronald Krummenauer, saiu com uma pérola (ZH, 26.02.18, p. 25): “Me arrependo de não ter fechado mais escolas.” O Secretário estadual da Educação! E outra manchete, dois dias depois: “Com fechamento de seis escolas estaduais em Porto Alegre, 418 alunos são transferidos.” (ZH, 28.02.18).

A foto das crianças tendo as mochilas revistadas a caminho da escola e o alegre anúncio do fechamento de escolas pelo Secretário de Educação no Rio Grande do Sul são o retrato de um pais onde as políticas públicas, ou são mero enfeite, ou derivam para a pura repressão, ou ainda são mercadoria de troca, e onde a democracia foi atirada na lata do lixo da história, um país que vive sob um golpe parlamentar, cada dia com menos democracia, menos políticas públicas favorecendo os pobres, pretos e prostitutas e mais autoritarismo.

O grito lancinante: “No Amazonas,/ no Araguaia iá, iá,/ na Baixada Fluminense,/ Mato Grosso,/ Minas Gerais/ e no Nordeste tudo em paz,/ na morte em descanso,/ mas o sangue anda solto/ manchando os papéis,/ documentos fiéis pro descanso do patrão. Que país é esse? Que país é esse? Que pais é esse?”

Qual o futuro, se crianças não têm escola, se a educação não é prioridade e se as crianças são revistadas por soldados do Exército, como se bandidos fossem?! Que turmas escolares e que escolas são fechadas? Em geral, as turmas e as escolas dos pobres, pretos e prostitutas. Onde? Nas periferias, onde moram os pobres, os pretos e as prostitutas. (Isso, sem falar nos salários baixos das/os professoras/es, pagos de forma atrasada todos os meses no Rio Grande do Sul.) Quem pode pagar, obviamente, não tem turma fechada na escola privada. Ou o carro da família, ou o motorista particular, levam o jovem para a escola privada, esteja onde estiver, e aí não há revista alguma. (Sei porque já trabalhei nas escolas privadas mais renomadas de Porto Alegre.)

E o “Rio é laboratório para o Brasil”(Blog da Cidadania, 27.02), disse o General interventor, Walter Braga Netto, sem explicar o que significa a afirmação. Haverá intervenções em outros Estados? O Exército brasileiro será o responsável pela segurança interna do país? Caminhamos para uma ditadura aberta? Para que servem os governos estaduais e seus sistemas de segurança, responsáveis constitucionais pela segurança?

Ao final da entrevista de meia hora, sem direito a perguntas de jornalistas estrangeiros, o General interventor saiu com outra pérola, como advertência para os jornalistas que reclamavam do pouco tempo e do fato de não terem podido fazer mais perguntas, dizendo: “No grito não funciona”, informa Denise de Assis (O Cafezinho, 27.02). Para as crianças, funciona, sim, no grito, as metralhadoras dos soldados à vista na hora da revista das crianças.

‘Que país é esse’, onde pobres, pretos, prostitutas, os 3 ‘P’ (bem diferente dos 3 ‘T’ do Papa Francisco – Teto, Trabalho e Terra), (e petistas) são subcidadãos, não têm escola, a segurança é feita com revista nas mochilas das crianças que vão para a escola?

Sobra o que? Que fazer? Sobra participar do Fórum Social Mundial em Salvador, Bahia, Nordeste, de 13 a 17 de março (Contatos e informações: www.fsm2018.org). E continuar dizendo e lutando por ‘um outro mundo possível’, hoje urgente e necessário. Fórum que diz em 2018, em seu lema principal: RESISTIR É CRIAR. RESISTIR É TRANSFORMAR. Sobra ir para a luta e para as ruas exigindo eleições diretas, o Direito de Lula ser candidato, Plebiscito de revogação das Reformas, uma Constituinte Exclusiva e soberana. Sobram a esperança e a fé nas brasileiras e brasileiros, nos pobres, pretos, prostitutas (e petistas), e que estiveram na linha de frente em outros momentos difíceis da história do Brasil. E que souberam, ao lado de e como militantes, democratas, progressistas, revolucionários, dar a volta por cima, na construção de uma Nação com democracia, direitos e democracia.

Como canta lindamente Beth Carvalho: “Reconhece a queda/ e não desanima./ Levanta, sacode a poeira,/ dá a volta por cima.”

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em dois de março de dois mil e dezoito


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