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18 de fevereiro de 2018
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10:13

PT, 38 longos anos depois

Por
Sul 21
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PT, 38 longos anos depois
PT, 38 longos anos depois
“A luta e mobilização necessárias em 2018 não são muito diferentes, tão urgentes e necessárias quanto em 1980”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Selvino Heck (*)

10 de fevereiro de 1980. Por um lado: ditadura militar, Lei de Segurança Nacional em vigor, prisão de Lula e sindicalistas nas greves do ABC, ausência de liberdade de organização e expressão, sem eleições diretas para presidente, prefeitos de capitais e áreas de segurança nacional, parte do Poder Judiciário aliado do regime, grande mídia favorável ao regime militar e contra as Diretas, censura abrandada, mas em vigor, 2 partidos legais, ARENA e MDB, permitidos/tolerados. Por outro lado: greves no ABC e greves dos bancários no Rio Grande do Sul por democracia, liberdade sindical e melhores salários, ocupações de terra no campo, ocupações urbanas, organização popular na base, pastorais sociais e muita formação política, Igrejas contra a ditadura, novos partidos, entre os quais, em 10 de fevereiro de 1980, o PT, Partido dos Trabalhadores.

10 de fevereiro de 2018. Por um lado: governo federal golpista depois de impeachment de uma presidenta eleita democraticamente, maior parte do Poder Judiciário aliado do golpe, grande mídia aliada do golpe, Reforma trabalhista e previdenciária anti-trabalhadores em andamento, democracia sob ameaça, entrega e venda das riquezas nacionais, Brasil prestes a voltar ao Mapa da Fome, desemprego e miséria em alta, violência cotidiana em crescimento, desesperança, intolerância e preconceitos na sociedade, condenação de Lula à base de convicções sem provas, iminência da prisão de Lula, política e partidos desacreditados. Por outro lado: resistência nas ruas contra o golpe e a favor da democracia, greves gerais contra as Reformas, mobilização pelo Direito de Lula ser candidato a presidente, Fórum Social Mundial em Salvador.

38 anos depois, esse é o quadro. Em alguns (ou muitos) aspectos, o Brasil, e o mundo, parecem ter voltado ao final dos anos 1970, início dos 1980.

Nesses 38 anos, porém, aconteceu muita coisa relevante no Brasil: Constituinte federal e estaduais, Diretas para Presidente, Governos e Mandatos Populares, Eleição de Lula, primeiro operário e sindicalista, e Dilma, primeira mulher, presidentes, Orçamento Participativo como referência mundial, Fórum Social Mundial, ‘um outro mundo possível’, reconhecimento do Brasil no mundo, com soberania, melhoria do salário mínimo, saída do Brasil do Mapa da Fome, diminuição, ainda que tímida mas inédita, da desigualdade econômica e social, liberdade de expressão e organização, conquista de direitos pelos pobres, mulheres, jovens, indígenas, negros, quilombolas e povo LGBT, políticas públicas e sociais com participação popular. Na América Latina e Caribe, governos democráticos e populares, Mercosul, Unasul e Celac.

A luta e mobilização em 1980 não eram fáceis. Repressão, governos ditatoriais, o povo não era ouvido para nada, fome e miséria por todos os lados. Mas a esperança era muita e o sonho de um Brasil justo, livre, democrático, com igualdade e direitos, superava todos os problemas e adversidades. Era povo na rua, era organização e reflexão nas comunidades, nos bairros, vilas, favelas, igrejas, escolas, sindicatos e Associações de Moradores, eram Núcleos de Base do PT, era ocupar cada espaço que se abria e que se conquistava, era construir ONGs, Movimentos, Oposições Sindicais, buscar direitos e Diretas-Já.

A luta e mobilização necessárias em 2018 não são muito diferentes, tão urgentes e necessárias quanto em 1980, à luz das novas ferramentas das redes sociais, da comunicação instantânea, dos novos jeitos de organização e expressão da juventude, dos novos direitos afirmados, das experiências de participação popular, das políticas públicas instituídas.

O Partido dos Trabalhadores teve grande papel e importância, junto com outros partidos, organizações e movimentos sociais e populares, nestes 38 anos. E continua tendo nos anos 2000.

Houve muitos acertos e contribuições do PT: a construção do programa democrático-popular, a prioridade dada aos pobres e trabalhadores em suas lutas e seus governos, a implementação de políticas públicas e sociais com participação da sociedade, a mobilização permanente da sociedade para a conquista de direitos, o enfrentamento de preconceitos, a afirmação soberana do Brasil no mundo, a prioridade de relação com a América Latina, África e Caribe.

Mas houve também erros do PT, que hoje precisam ser enfrentados corajosamente: a excessiva institucionalização do partido, deixando muitas vezes de ser movimento, a militância que ou envelheceu ou recolheu-se e saiu das ruas, deixar-se enredar pelas artimanhas do poder e sua sedução, os equívocos de análise sobre a burguesia e a elite brasileiras, eternamente escravocratas e dominadoras de classe, o afastamento da base, a corrupção em parcelas partidárias, a incorreta avaliação sobre as políticas de alianças, a diminuição da formação política e do debate sobre o futuro, o projeto de desenvolvimento, de sociedade e um Programa de Brasil Popular. Mais acertos que erros, com certeza. E nada que não possa ser enfrentado num partido vivo, militante, sonhador, revolucionário.

O futuro? Há um longo caminho pela frente, como foi nos anos 1970/1980, num país de pouca ou sem tradição partidária e pequenos períodos democráticos. É preciso construir, para os tempos contemporâneos, à luz da atual realidade brasileira, latino-americana e mundial, de novo um programa democrático-popular, que proponha uma revolução democrática. A militância, sob novas formas, precisa acordar e ser acordada, junto com a juventude, as mulheres, as trabalhadoras e os trabalhadores. Ou seja, em 2018, como em 1980, tarefas históricas estão colocadas.

E só serão realizadas se cada uma e cada um, companheiras e companheiros, militantes de fé e esperança, colocar a mão, a cabeça e o coração na rua, em cada gesto, em cada grito, em cada mensagem via rede social, em cada encontro, em cada debate e reflexão, em cada greve, ocupação e mobilização social. Só assim para enfrentar a direita e a elite brasileiras. Sempre foi assim, foi assim em 1980, sempre assim será, em 2018, e no futuro.

O samba-hino da Paraíso do Tuiuti, que encantou o Brasil e o mundo, ‘Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão?’, diz tudo: “Não sou escravo de nenhum senhor/ Meu Paraíso é meu bastião/ Meu Tuiuti o quilombo da favela/ É sentinela da libertação.”

O PT foi Tuiuti em 1980. O PT precisa continuar sendo/voltar a ser Tuiuti em 2018.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Fundador e ex-presidente do PT/RS
Em dezesseis de fevereiro de dois mil e dezoito


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