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28 de janeiro de 2018
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09:35

E agora, Brasil?

Por
Sul 21
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E agora, Brasil?
E agora, Brasil?
“O Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, cheio de gente, as ruas todas tomadas, como foi o histórico Comício das Diretas em 1984, no mesmo local”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Selvino Heck (*)

A caminhada foi longa, mais de três horas. Uma centena de militantes, em duas colunas, vestidos de vermelho, bandeiras às costas, saiu dos limites do município de Viamão e Porto Alegre às seis da manhã/madrugada. A marcha foi engrossada no trevo de entrada para a Lomba do Pinheiro, foram vindo mais outros, mais outras, da CEFER, da Zona Leste, do Partenon, todas e todos marchando em direção ao acampamento no Anfiteatro Pôr do Sol, ao lado do rio Guaíba e do prédio do TRF-4, onde Lula estava sendo julgado, quarta-feira, 24 de janeiro de 2018. Eram idosos, mais ou menos jovens, algumas crianças, moradoras/es das vilas, lutadoras/es. Na saída, ainda estava escuro (no Rio Grande do Sul, há horário de verão), aos poucos o sol foi chegando e estava a pleno na chegada às nove da manhã. Resistiram, chegaram todas e todos inteiros no ponto de chegada (inclusive eu, que alguns duvidavam pudesse fazer todo trajeto a pé nos meus 66, quase 67).

Não era um dia qualquer. Era um dia que exigia energia, garra e mobilização militante, coragem de sair para a rua, de fazer ouvir o grito e a voz em cantos, hinos, palavras de ordem, protesto. (Várias outras Colunas saíram de diferentes pontos de Porto Alegre no mesmo rumo).

No dia anterior ao julgamento, terça, 23 de janeiro, houve um Ato/comício apoteótico em frente à Prefeitura de Porto Alegre, voltado para a Esquina Democrática, com a presença de Lula e Dilma. Muito povo, 70, 80, alguns falam em 100 mil pessoas, vindo de todos os lugares do Brasil e do mundo. O Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, cheio de gente, as ruas todas tomadas, como foi o histórico Comício das Diretas em 1984, no mesmo local. Fosse acender um palito de fósforo na terça perigava incendiar a praça inteira…, tal o entusiasmo militante, a energia circulando no ar. Ao final, uma marcha quase interminável, atravessando o centro da cidade do Orçamento Participativo e do Fórum Social Mundial, as pessoas, cantando, gritando palavras de ordem, exigindo Justiça a um Judiciário que é, comprovou-se mais uma vez no dia seguinte, ser o pior dos três poderes da República, essa República que está em risco, com a democracia ameaçada.

O que será do Brasil? O que será do povo brasileiro?

Mais que nunca é preciso escrever e falar com a indignação dos profetas. Pobres, pretos e petistas são julgados, condenados sumariamente, vão para a cadeia. Homens justos são condenados sumariamente porque fazem bem aos lascados e aos trabalhadores. Os verdadeiros ladrões, onde estão? Fazendo delação premiada para voltarem a morar em suas mansões? Em Davos, pregando a favor do capital, do Estado corrupto e do mercado? Ai de vós juízes implacáveis, mas não implacáveis com quem embolsa bilhões e os deposita nos paraísos fiscais sem pagar um mísero tostão de impostos! Ai de vós juízes implacáveis que embolsais quase cinco mil reais de auxílio-moradia por mês, mesmo tendo casa própria no local/município de moradia! Ai de vós juízes implacáveis que ganhais acima do teto constitucional, e nada acontece!

Escrevi em 7 de janeiro, em “2018, ‘O’ ano!”: “Dia 24 de janeiro haverá o julgamento cheio de convicções, mas sem provas de Lula, o presidente mais popular que o Brasil já teve. Segundo todo mundo que entende do assunto, Lula será condenado pela segunda vez. Segundo alguns que entendem do assunto, poderá, inclusive, ser preso.” Foi exatamente o que aconteceu e o que está por acontecer em semanas.

2018 será duro, um ano muito duro, já se pôde ver antes do final do seu primeiro mês!

O que fazer?

Não há outra coisa a fazer senão ir à luta como ‘nunca na história deste país’. É mobilização na rua, é desobediência civil, como os jovens fizeram no final do dia 24 de janeiro e, claro, acabaram presos, e filmados, antes mesmo que seus advogados pudessem chegar e defendê-los. A ‘rebeldia juvenil legítima’, como definiu frei Sérgio, é o que resta na alma e nos corações e se exige em tempos sombrios, onde as urgências acumulam-se diariamente. O que eles não sabem ou não querem saber, as elites escravocratas e bilionárias, as Globos e RBSs, é: a história tem volta. A História não acaba em 24 de janeiro nem no golpe de 2016. Vide Mandela. Vide a presença viva hoje de Getúlio, de Prestes, de Olga Benário, de Margarida Alves, de Chico Mendes, de Brizola, de Santo Dias, de Rose, de Sepé Tiaraju, e de tantas e tantos outros do povo e da luta.

O próprio dia 24 de janeiro foi uma mostra. A energia da militância não se esgota num comício de milhares de pessoas, num Acampamento à beira do rio, numa caminhada de três horas de Viamão e Lomba do Pinheiro até o centro de Porto Alegre.

O Fórum Social Mundial, de 13 a 17 de março, em Salvador, Bahia, será outra demonstração do ‘outro mundo possível’, urgente e necessário. Virão milhares da Bahia, virão milhares do Nordeste, virão milhares do Brasil, virão milhares do mundo. Diz o FSM de 2018: ‘Resistir é criar. Resistir é transformar’.

A mística da militância não se esgota num dia, ou dois dias, ou três dias, como se esgotou a falta de ou a desenergia dos MBLs da vida, agora incapazes de defender seus corruptos de plantão, seus vendilhões do templo, seus golpistas de ocasião. A utopia do outro mundo possível e a esperança reacenderam sua chama. A rebeldia juvenil legítima está viva nos corações e nas mentes.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em vinte e seis de janeiro de dois mil e dezoito


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