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17 de dezembro de 2017
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10:30

Caríssimo confrade

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Sul 21
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Caríssimo confrade
Caríssimo confrade
“A greve de fome terminou, mas 2017 não terminou e não terminará tão cedo”. (Foto: Adilvane Spezia/MPA)

 Selvino Heck (*)

Ao Frei Sérgio, à Josineide, à Leila e a todas/os lutadoras/es, sonhadoras/es que estão fazendo/fizeram greve de fome e/ou jejum Brasil afora contra a Reforma da Previdência do governo golpista

Tens mais fé e coragem que eu, caríssimo confrade frei Sérgio, tu, Josi e Leila.

Escrevo com dor, alegria, angústia, esperança, tudo ao mesmo tempo, um turbilhão de sentimentos, ideias, uma mistura de energia, tristeza e fé no ser humano e no povo. Gestos extremos são absolutamente necessários nesta quadra da história brasileira e latino-americana, quando os pobres, os lascados, os oprimidos são mais uma vez torturados pela elite conservadora e antidemocrática. Greve de fome é gesto (quase) extremo, que já fizeste outras vezes, e eu nunca me atrevi.

Mal sei quando e onde nos conhecemos. Mas seguramente foi como frades. Outro dia, final do Mutirão da Esperança Camponesa do MPA (Movimentos dos Pequenos Agricultores) em Vale do Sol, Rio Grande do Sul, quando visitamos por vários dias as famílias do interior do município, explicando as reformas que o governo golpista estava implementando, especialmente a da Previdência, eu te dando uma carona até Santa Cruz do Sul, conversamos sobre nossas vidas, aventuras e desventuras. Tu, meu sucessor como diretor do jornal mural O Observador no Seminário Seráfico de Taquari, muito tempo atrás. Eu, estudante de teologia expulso da PUCRS por causa do movimento estudantil e da Teologia da Libertação, e, mais tarde, na consequência, impedido de me ordenar sacerdote por forças superiores da época, mas sempre com apoio da comunidade franciscana. Tu, por tuas convicções e radicalidade, quase impedido de proclamar os votos de pobreza, obediência e castidade. Depois, nos caminhos da vida, eu na Lomba do Pinheiro, tu nos movimentos sociais, especialmente os do campo, nas lutas por direito e dignidade, na construção do Reino ou do ‘outro mundo possível’. Em certo momento da história, eu deputado estadual constituinte, em seguida tu deputado estadual.

Tu, frei Sérgio, sempre nas lutas do povo, na rua, sem arredar nunca, eu bons tempos na institucionalidade, ou com ‘um pé dentro, um pé fora’. Tu fazendo duas greves de fome no Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, por Reforma Agrária, por políticas públicas para os agricultoras/es familiares e camponesas/es. E agora mais uma vez, outra greve de fome, no Congresso Nacional, contra uma Reforma que tira direitos dos pobres, mas não tira privilégios dos ricos, não enfrenta a escandalosa desigualdade social e econômica existente no Brasil, uma Reforma patrocinada por um governo golpista, um governo que não ama nem respeita o povo e a democracia.

São Francisco fez do Evangelho uma vida e uma prática de amor, paz e simplicidade. Amor radical aos mais pobres e aos desvalidos. Vida de paz em harmonia com a natureza, as plantas, os bichos, todos os seres vivos. Vida de simplicidade, contra todos os luxos, todas as gravatas, todas as riquezas inúteis, todo acúmulo de bens desnecessários.

O Papa Francisco, esse jesuíta argentino, que veio não só encantar, mas dar vez e voz a todas e todos que crêem num Deus dos fracos, das samaritanas, dos que de vez em quando erram, mas buscam a verdade, dos que lutam por justiça. Disse o Papa Francisco em encontro com os movimentos populares do mundo: ‘Então quem governa? O dinheiro. Como governa? Com o chicote do medo, da desigualdade, da violência financeira, social, cultural e militar que gera cada vez mais violência. Quanta dor e quanto medo! Os 3 ‘t’ -teto, trabalho e terra -, o vosso grito que faço meu, têm algo daquela inteligência humilde, mas ao mesmo tempo vigorosa e purificadora. Um projeto-ponte dos povos diante do projeto-muro do dinheiro. Um programa que visa ao desenvolvimento humano integral. Este é o desenvolvimento do qual nós temos necessidade: humano, integral, respeitador da Criação, da Casa Comum.”

A greve de fome terminou, mas 2017 não terminou e não terminará tão cedo. Tu e tua coragem, ao lado das companheiras Josi e Leila, dez dias sem comer, em protesto, continuam no coração e na alma das pessoas. Por enquanto, está suspensa ou foi adiada a votação da Reforma da Previdência do governo golpista. Vitória, ainda que parcial. Mas quantas greves de fome serão necessárias, quantos milhares terão que fazer jejum fora da quaresma para que seus direitos não sejam retirados, sua dignidade não seja pisoteada pelos poderosos de plantão, pelos destruidores da democracia?

Os tempos são dos corajosos e dos profetas. Nas palavras do Papa Francisco aos movimentos populares: “No nosso último encontro, na Bolívia, com a maioria de latino-americanos, pudemos falar da necessidade de uma mudança para que a vida seja digna, uma transformação de estruturas: além disso, do modo como vós, movimentos populares, sois semeadores de mudança, promotores de um processo para o qual convergem milhões de pequenas e grandes ações interligadas de modo criativo, como numa poesia; foi por isso que vos quis chamar de ‘poetas sociais’; e também pudemos enumerar algumas tarefas imprescindíveis para caminhar rumo a uma alternativa humana diante da globalização da indiferença: 1. Pôr a economia a serviço dos povos; 2. Construir a paz e a justiça; 3. Defender a Mãe Terra.”

Que eu/nós tenhamos tua coragem, tua fé, frei Sérgio, a fé e a coragem de Josi, de Leila. Que saibamos ser poetas sociais. Que sejamos profetas nestes tempos que urgem e rugem.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990). Em quinze de dezembro de dois mil e dezessete.


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