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26 de novembro de 2017
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10:40

Não vamos nos iludir

Por
Sul 21
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Não vamos nos iludir
Não vamos nos iludir
“Alguém ainda vai se iludir se olhar para a história brasileira em geral?” (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Selvino Heck

1954, 1964, 1968, 1985, 1989, 2016: alguém ainda vai se iludir se olhar para a história brasileira em geral e, particularmente, os últimos 63 anos? Na verdade, nada há de novidade no que estamos assistindo e vivendo do Brasil de hoje, pelo menos para quem, como eu, tem 66 anos.

O único espanto possível, ou difícil de acreditar e entender, talvez seja ver que democratas como o governador do Rio Grande do Sul, José Ivo Sartori, e o Secretário da Segurança Cezar Schirmer, para citar dois personagens políticos da atualidade, que foram constituintes estaduais e ajudaram a escrever a Constituição estadual gaúcha, a mais progressista do Brasil, e lutaram contra a ditadura militar, não tenham vergonha de estar num partido golpista e defendam, e façam no Rio Grande do Sul, um governo entreguista, antidemocrático, contra todos os direitos dos trabalhadores garantidos pela Constituição Cidadã brasileira e a Constituição do Rio Grande do Sul.

Talvez o maior erro de análise da esquerda e setores progressistas da sociedade, que lutaram pelos direitos dos mais fracos e dos trabalhadores ao longo do tempo, chegaram a governos populares, criaram o Orçamento Participativo, fizeram políticas públicas com participação popular, e que, pela primeira vez, diminuíram a histórica e absurda desigualdade social e econômica brasileira, ainda que timidamente, o maior erro de análise tenha sido acreditar que os tempos de golpes, de traição à democracia tinham acabado, que as Globos e RBSs da vida tinham mudado de ideia e finalmente aderido ao Estado de Direito e à democracia.

Ledo engano de quem pensou assim, iludiu-se ou foi iludido, e não se preparou, não anteviu os fatos, não previu a história. Os golpistas de ontem continuaram golpistas como sempre foram, continuam golpistas hoje, continuarão golpistas. Alguns/muitos infelizmente aderiram a eles e passaram a sustentá-los politicamente.

Para entender melhor a história do Brasil, basta ler, por exemplo, o livro do professor Antônio David Cattani, com o sugestivo título ‘Ricos, podres de ricos’ (Marcavisual – Tomo Editorial, 2017), recentemente lançado. Ou conhecer a publicação da ong Oxfam, ‘A distância que nos une – Um Retrato das Desigualdades brasileiras’. Diz a Oxfam: “O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo. 5% da população – os mais ricos – recebem, por mês, o mesmo que os demais 95% juntos. As pessoas que recebem um salário mínimo teriam que trabalhar 19 anos para equiparar um mês de renda média do 0,1% mais rico da população. Se mantido o ritmo de inclusão de negros observado nas últimas décadas, a equiparação da renda média dos negros com a dos brancos ocorrerá somente em 2089. Somente dois países da lista de membros e parceiros da OCDE têm política de isenção de impostos sobre dividendos e lucros das empresas: Brasil e Estônia.”

Gilberto Schwartsmann escreveu em ‘Feiura’ (Zero Hora, 22.11.17, p. 22): “No Brasil, tendo como base qualquer indicador, negros e mulheres vivem pior do que os demais. Nossa concentração de renda é tamanha que seis brasileiros possuem riqueza igual aos 100 milhões mais pobres. É esta nossa feiura maior, a que mata o futuro dos que nascem aqui”.

Não vamos nos iludir! Quem dá e sustenta um golpe como esse que está em curso, com todas as barbaridades que lemos, ouvimos, presenciamos todos os dias, é a favor da estratosférica e vergonhosa desigualdade social e econômica existente no Brasil de 2017. E é capaz de tudo para que essa desigualdade não seja arranhada ou diminuída, como o foi nos governos Lula e Dilma. Para que direitos? Para que democracia? Para que Orçamento Participativo? Para que participação popular? Para que, portanto, políticas públicas beneficiando os mais pobres e os excluídos: Farmácia Popular, Fome Zero, SUAS, Ciência Sem Fronteiras, Cotas para entrar na Universidade, Programa de Aquisição de Alimentos?

Foi assim em 1954, quando, depois de criar a Petrobras – ‘O petróleo é nosso’ – e o BNDES, levaram Getúlio ao suicídio. Foi assim em 1964, quando estavam na conjuntura as Reformas de Base, entre as quais a Agrária e a Tributária: deram um golpe militar. Foi assim em 1968, quando assassinaram de vez a democracia. Foi assim em 1985, quando, depois de milhões terem ido às ruas pedir/exigir Diretas Já (até a Rede Globo e a grande mídia aderiram tardiamente), elegeram um presidente indireto. Foi assim em 1989, quando derrotaram Lula sem dó nem piedade, para eleger um arrivista desconhecido, que deu no que deu. Foi assim agora, 2015/2016, e está sendo em 2017, quando derrubam uma presidenta eleita pelo povo, e vendem o Brasil e suas riquezas ao primeiro que chegar e pagar menos, quando pisoteiam os direitos dos mais pobres duramente conquistados, e roubam, roubam, roubam ante um Poder Judiciário, o pior Poder, corrompido, cheio de regalias, antidemocrático, aliado, em sua maior parte, aos golpistas, quando urdem outro golpe para não haver eleições em 2018, ou mudam as regras do jogo na calada da noite.

A luta é dura, será dura. A luta será longa. Mas a verdade, a democracia e o povo não se rendem, e, na História, sempre acabam vencendo. Paulo Freire não teve extinto seu Programa de Alfabetização ainda em abril de 1964, foi preso, acabou exilado, e, depois de sua volta ao Brasil, não tornou-se Secretário Municipal de Educação de São Paulo, Patrono da Educação Brasileira, título que agora querem tirar, e aclamado no mundo inteiro? Dilma não foi presa, torturada e tornou-se presidente da República? E haveria outros muitos exemplos, fatos e acontecimentos, que poderiam ser citados, individuais e coletivos.

Este é um artigo/texto escrito pleno de indignação, mas também encharcado de esperança. Quando vemos a juventude ocupando escolas, quando vemos as meninas e os meninos do hip-hop denunciando a opressão e as injustiças, quando vemos professoras e professores do Rio Grande do Sul, municipárias e municipários de Porto Alegre se mobilizando e fazendo greve, quando vemos negras e negros na rua no Dia da Consciência Negra denunciando o desemprego e o assassinato de jovens e mulheres, quando vemos um Papa Francisco instituindo o Dia Mundial dos Pobres, quando as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) preparam seu Encontro Nacional em janeiro em Londrina e discutem o mundo urbano – ‘Ouvi os Clamores do meu Povo’-, quando a CNBB lança a Campanha da Fraternidade/2018 – ‘Fraternidade e Superação da Violência’-, quando lutadoras e lutadores sociais preparam talvez o maior Fórum Social Mundial da história – Salvador, Bahia, 13 a 17 de março/2018 -, quando vemos tantas coisas belas e inspiradoras acontecendo, não dá para não ter esperança, não há como não acreditar no futuro.

Mas o tempo de iludir-se passou.

(*) Deputado estadual constituinte do Rio Grande do Sul (1987-1990)

Em vinte e quatro de novembro de dois mil e dezessete


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