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31 de outubro de 2018
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11:00

Bolsonaro ganhou, e agora?

Por
Sul 21
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Bolsonaro ganhou, e agora?
Bolsonaro ganhou, e agora?
Foto: Guilherme Santos/Sul21

Samir Oliveira (*)

Bolsonaro ganhou, e agora? Muita gente está com esta pergunta na cabeça. Mesmo quem votou em Bolsonaro reconhece que o Brasil está dando um salto no escuro. Esta foi a escolha feita pela maioria dos eleitores que decidiram optar por algum dos dois candidatos no segundo turno. Não foi a escolha feita pela maioria dos brasileiros, já que a soma de quem não votou, com quem anulou, votou em branco ou digitou 13 supera com folga a votação obtida por Bolsonaro.

Estes números não interferem no resultado das eleições, pois o que conta são os votos válidos. Mas demonstram que há um terreno fértil para a resistência. Provam que tem um amplo contingente populacional que não se viu representado pela candidatura do Bolsonaro. Se considerarmos ainda que uma razoável maioria dos eleitores do capitão não é fascista e não concorda integralmente com suas ideias mais intolerantes, verificamos que a margem para resistir é ainda maior. As pesquisas já começam a comprovar esta hipótese, conforme podemos ver neste neste levantamento do DataFolha

Isso não quer dizer que a oposição a Jair Bolsonaro terá vida fácil ou uma população aberta a suas iniciativas. Quer dizer apenas que o cenário não é tão catastrófico quanto se pode imaginar, embora seja incerto. É exatamente no pântano destas incertezas que se escondem as possibilidades mais latentes de retrocessos, de arroubos autoritários, de fechamento total do regime político. Muitos dizem que a possibilidade de haver uma ditadura não passa de um delírio da esquerda. Mas esquecem-se que as liberdades democráticas tão duramente conquistadas podem, sim, ser suprimidas no marco do nosso sistema político atual. Basta uma interpretação autoritária da legislação vigente, a aprovação de normas ainda mais duras e a proteção do arbítrio por um governo antidemocrático. Distorcer preceitos constitucionais e rastejar pelos escaninhos podres da República é uma arte que não requer o disparo de nenhum tiro.

Eu estou com medo. Meus amigos estão com medo. Especialmente aqueles que, assim como eu, integram a sopa de letras da comunidade LGBTQI+. As horas seguintes ao resultado das urnas foram de pavor. Os foguetes nas ruas pareciam comemorar o nosso fim. Em muitos lugares se ouviu barulho de tiros. As redes sociais foram inundadas com o esgoto que escorria pelas profundezas da internet e que agora encontra abrigo em plena luz do dia.

Não abriram a Caixa de Pandora. Quebraram! Ninguém me contou. Eu não “ouvi falar”. Eu vi dezenas de posts celebrando o início de uma nova era. Uma era em que lunáticos sentem-se autorizados a falar abertamente em grupos de extermínio de gays. Em que psicopatas brincam com uma “caçada a viados”. Em que cidadãos que se consideram “de bem” defendem a tortura para comunistas.

É impossível não ficar com medo. Mais do que impossível, é imprudente. O medo é um instinto natural de preservação. Não temos que lutar contra o medo. Temos que lutar apesar do medo. Ainda estamos elaborando o luto de uma eleição devastadora, em que o autoritarismo toma de assalto a democracia pela porta da frente, sem derrubar um prego. Precisamos entender como foi que chegamos até aqui. Este é o primeiro passo.

Em seguida, ou enquanto isso, vamos criar e fortalecer redes de resistência. Redes de acolhimento, espaços seguros de escuta e de diálogo. As ferramentas digitais estão aí para isso.

O terceiro passo é a ação direta nas ruas. Não sabemos o que está por vir, mas sabemos que teremos dias muito difíceis pela frente. Muitos apostam que o autoritarismo de Bolsonaro e seu discurso de ódio não passam de bravata. Que bom que eles podem apostar. Nós, LGBTs, não podemos. As mulheres não podem apostar. A negritude e os indígenas nunca chegaram perto da mesa de apostas.

Ainda estamos em um momento de elaborar o luto e analisar com muita responsabilidade o cenário político. Não existem grandes iniciativas de resistência sendo organizadas de imediato. É preciso compreender melhor a situação. As forças democráticas precisam fazer uma profunda autocrítica de sua atuação e analisar o que têm oferecido ao povo e o que têm deixado de oferecer. Mas existem, sim, focos que servirão como termômetros da disposição de luta do povo.

Um destes focos é a realização das paradas do orgulho LGBTQI+, que tradicionalmente ocorrem nesta época. No Rio Grande do Sul teremos pelo menos oito paradas até o final do ano. A maioria delas já possui data definida: Cachoeirinha (04/11), Sapucaia (11/11), Santa Maria (18/11), Porto Alegre (18/11), Caxias do Sul (25/11), Esteio (02/12), Pelotas e Rio Grande.

A comunidade LGBTQI+ tem estado, junto com as mulheres, na linha de frente da resistência. Para nós, é uma questão de sobrevivência. Cada uma destas paradas deve ser um grito potente contra o projeto autoritário e intolerante de Bolsonaro. Estamos apenas começando. Onde querem armário, demonstraremos orgulho!

(*) Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.

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