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8 de agosto de 2018
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19:43

Dudu dos Santos: o policial trans assassinado e a hipocrisia dos abutres

Por
Sul 21
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Dudu dos Santos: o policial trans assassinado e a hipocrisia dos abutres
Dudu dos Santos: o policial trans assassinado e a hipocrisia dos abutres
“Como vamos ter uma polícia equipada, com efetivo suficiente e bem paga sem recursos?” (Foto: EBC/Memória)

Samir Oliveira (*)

Na segunda-feira, dia 6, foi encontrado o corpo do policial militar de São Paulo Dudu dos Santos. Estava jogado num porta malas e cravejado de balas. Rapidamente as redes da direita passaram a difundir a ideia de que ninguém se importaria com a morte de Dudu, mesmo sendo LGBT, negro e morador da periferia, por tratar-se de um policial. E ainda desrespeitaram sua identidade de gênero, afirmando tratar-se de uma mulher lésbica e não de um homem transexual, como ele se identificava.

A motivação do crime e as circunstâncias da morte de Dudu ainda não estão claras. Mas está claro que ele é mais uma vítima de uma lógica de segurança pública que não protege ninguém e gera mais violência. Em 2017 foram 385 policiais assassinados e 5 mil pessoas mortas pela polícia. Há algo de podre neste sistema. Nossos policiais estão morrendo como moscas e matando como se estivéssemos em guerra.

Os abutres da direita tratam Dudu como um cadáver a ser esfregado na cara da esquerda, cobrando de forma hipócrita e oportunista posicionamento e comoção. Jair Bolsonaro, que se diz preocupado com os policiais, votou a favor da PEC que congela investimentos públicos por 20 anos. Como vamos ter uma polícia equipada, com efetivo suficiente e bem paga sem recursos?

Cresce entre os policiais a consciência de que a direita não é sua aliada. No Rio Grande do Sul, foi a direita representada por Sartori e seus aliados que cortou horas extras e diárias dos policiais. O efetivo da Brigada Militar é o menor de sua história, com 19 mil integrantes quando, na verdade, precisaria contar com 37 mil servidores. A Polícia Civil conta com 5,1 mil agentes, quando o ideal previsto em lei corresponde ao dobro. Um levantamento do sindicato que representa os policiais civis (Ugeirm) aponta que 77 das 324 cidades gaúchas que possuem delegacias contam com apenas um policial.

A ideologia do Estado mínimo defendida pela direita é frontalmente contrária às reivindicações dos policiais por salário justo, por melhores condições de trabalho e por um efetivo capaz de fazer frente à demanda da população por segurança pública. Os policiais militares são ainda mais prejudicados, enquanto trabalhadores, porque sequer têm direito à sindicalização. Não é à toa que a maioria deles defende a desmilitarização da polícia.

Desmilitarizar a polícia não significa desarmá-la ou torná-la frouxa no combate ao crime, como muita gente pode pensar. Significa acabar com um entulho autoritário da ditadura e tratar segurança pública como uma política de proteção à vida das pessoas, não como uma máquina de guerra. É difícil de explicar para qualquer cidadão estrangeiro que no Brasil existam duas polícias: uma militar, destinada ao patrulhamento das ruas, e outra civil, voltada à investigação dos crimes. No mundo inteiro a realidade é outra: polícias de ciclo único, que investigam e fazem o trabalho ostensivo.

No ano passado 59.103 mil pessoas foram assassinadas no Brasil – das quais 71,5% são negros e 56,5% são jovens entre 15 e 19 anos. No Rio Grande do Sul, entre 2011 e 2017 ocorreram 16.668 homicídios. A direita que exige comoção púbica, protestos e empenho “dos direitos humanos” para cada policial morto no Brasil e para cada vítima da violência não move um cílio para organizar manifestações em nome dos que dizem defender. Qual marcha Bolsonaro e seus aliados convocaram para os 59 mil mortos no país?

A cobrança da direita chega às raias do absurdo quando colocamos a matemática em campo: seriam necessários 161 protestos por dia – ou seis por hora – para cada uma das 59 mil vítimas de homicídio no Brasil. Imaginem 161 protestos de rua e posts de Facebook por dia para cobrar justiça. A mesma direita que diz que manifestação em dia de semana e em horário comercial é coisa de vagabundo é a direita que cobra comoção pública. A mesma direita que diz defender a vida de um policial trans é a direita que se manifesta de forma violenta contra os direitos da população LGBT e reproduz discursos de ódio todos os dias. Vocês imaginam estas pessoas indo às ruas pelas vítimas de assassinatos ao saberem que 71% são negras?

Não estão preocupados com Dudu dos Santos e com todos que perdem a vida diariamente para a violência. Estão interessados em reproduzir um discurso oportunista e demagógico para conseguir votos manipulando o medo das pessoas.

(*) Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.

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Os artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do jornal, sendo de inteira responsabilidade de seus autores.


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