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20 de dezembro de 2017
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19:56

A política autoritária de Marchezan para os ambulantes de Porto Alegre

Por
Sul 21
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Vendedores ambulantes protestam após terem produtos apreendidos pela Prefeitura. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Samir Oliveira (*)

Esta semana foi anunciado que Porto Alegre passaria a integrar o chamado Movimento Legalidade. Trata-se de uma iniciativa da Frente Nacional dos Prefeitos, do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial e o Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade para combater o comércio ambulante nas cidades. De que forma? Perseguindo trabalhadores e gerando caos social nos grandes centros urbanos.

Foi isso que se viu em Porto Alegre. Um verdadeiro operativo de guerra mobilizou 170 agentes da Guarda Municipal, fiscais da prefeitura, três pelotões da Brigada Militar, além de efetivos da Polícia Civil, do Procon, da Receita Federal, da EPTC e do DMLU. Esse aparato sensacional varreu as ruas do Centro por algumas horas, apreendeu milhares de produtos e os esmagou em uma ação midiática que garantiu capas em jornais. Foi uma grande demonstração de como mobilizar a estrutura pública para enxugar gelo. Horas depois, os mesmos locais vistoriados já estavam tomados de vendedores ambulantes.

A política de Marchezan para o comércio informal na cidade oferece apenas repressão aos trabalhadores. O Movimento Legalidade está totalmente orientado neste sentido. Com a nobre justificativa de combater o contrabando, coloca a polícia – que deveria reprimir os crimes contra a vida – e a fiscalização a correrem atrás de trabalhadores. Uma cena lamentável e ineficaz, pois para cada trabalhador reprimido por este sistema, existem outros prontos para assumir seu lugar.

A prefeitura briga com a realidade. Num país com 12 milhões de desempregados – onde apenas na Região Metropolitana este número chega a 234 mil pessoas – e onde 50 milhões de brasileiros vivem na linha da pobreza, é inevitável que a informalidade cresça a níveis galopantes. É a única alternativa que o povo encontra para se sustentar diante de um mercado de trabalho que lhe fecha as portas. A informalidade acaba também sendo uma opção mais vantajosa do que os subempregos com salários rebaixados e condições totalmente precárias.

Mas não se trata apenas de uma questão econômica. A dimensão fundamental da informalidade é social. É um escândalo, portanto, que o interlocutor deste assunto na prefeitura seja o secretário de Segurança Kleber Senisse.

A política de Marchezan estimula o ódio dos empreendedores contra os ambulantes. É natural que eles se sintam prejudicados por “seguir as regras” e pagar seus impostos, enquanto em frente à sua loja os ambulantes vendem seus produtos sem nenhum tipo de prestação de contas às autoridades. Mas que realidades estão em jogo neste cenário? O que separa os funcionários dos lojistas e os ambulantes nas ruas não é apenas uma carteira de trabalho assinada, mas todo o tecido social de oportunidades que torna isso possível a alguns e impossível a outros. Aliás, é bom que se diga que o padrão de vida dos funcionários dos lojistas está muito mais próximo da realidade dos ambulantes do que de seus patrões, os donos das grandes redes de comércio e serviços da cidade.

Até mesmo o argumento estético é utilizado para combater os ambulantes. “Agora o Centro está muito feio” e “Não se pode mais caminhar pelas ruas” são frases ditas com frequência para justificar uma política de higienização deste espaço urbano. Às vitrines, tudo. À rua, nada. Como se a cidade fosse este emaranhado de calçadas cartesianas onde apenas quem consome e contribui com o PIB pudesse circular. É esta a visão de cidade do tal Movimento Legalidade. Acrescente-se a isso o viés racista e xenófobo desta política policialesca, tendo em vista o crescente número de imigrantes haitianos e senegaleses em Porto Alegre que encontram como única alternativa de trabalho o comércio informal.

Se o combate à informalidade não se faz com repressão, tampouco se faz com inclusão forçada. O Camelódromo é uma expressão desta política. Agradou a elite local ao confinar o comércio popular em um grande centro de compras, mas os alugueis abusivos e o excesso de cobranças acabou afastando os trabalhadores deste espaço.

Mas o que, então, pode ser feito? O primeiro passo é mudar o verbo: de “combate” para “auxílio” ao comércio informal. Auxílio para aqueles que desejam sair da informalidade, mas não sabem como. A estrutura técnica da prefeitura precisa estar a serviço destes trabalhadores. Realizar uma feira de legalizações a cada seis meses não resolve o problema. É preciso um trabalho permanente e uma política pública concreta, que abandone de vez o viés repressivo e articule serviços de assistência social, saúde e educação em uma grande rede de acolhimento.

Pouca gente sabe, mas Porto Alegre é fundadora e sócia da Instituição Comunitária de Crédito Portosol, criada em 1995. Foi a primeira instituição de microcrédito no país a operar com recursos de órgãos governamentais – elevando o microcrédito a um patamar de política pública para o desenvolvimento da cidade. A prefeitura deveria se valer disso para estimular a expansão do microcrédito em benefício dos pequenos empreendimentos e criar um programa de financiamento específico para aqueles que estão na informalidade.

As alternativas são muitas. O prefeito deveria articular a inteligência da cidade em busca de soluções. Chamar as universidades à mesa para construir saídas criativas e inovadoras. Marchezan prefere comportar-se como o xerife da província, atendendo aos apelos mais primitivos das entidades de classe daqueles que detêm o poder econômico no município.

É evidente que o grande contrabando deve ser combatido. Mas não é colocando a polícia e fiscais para correr atrás de trabalhadores no Centro que isso será feito. Os mesmos que enchem a boca para chamar de “vagabundo” quem está desempregado fazem coro à repressão contra trabalhadores que ganham a vida vendendo pequenos produtos eletrônicos, hortifrútis, artesanatos e peças de roupas nas ruas de uma cidade que os rejeita.

(*) Samir Oliveira é jornalista e militante da Setorial LGBT do PSOL/RS.


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