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24 de janeiro de 2020
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10:51

Um brevíssimo de informação moralizante ¹

Por
Sul 21
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Um brevíssimo de informação moralizante ¹
Um brevíssimo de informação moralizante ¹
Reprodução/Arquivo pessoal

Ronald Augusto (*) 

1.

um não pede mais à vida nem à morte

se o poder entrante lhe doa em honra

algum obscuro cargo de confiança

gabinete onde possa tretas e trocas

outro assoma fácil a rico homem se

consegue ajuntar em seu próprio silo

todo grão que os campos produziram

o agouro dos pássaros sobre o trigo

o que prefere abrir sulcos no chão

a franquear-se ao mar mapeando costas

desconhecidas onde se diz haver

tesouros que lotariam vinte frotas

há quem entenda torpe gastar uma parte

do dia deitado sob verde árvore

ou mansamente junto ao sagrado córrego

muitos preferem a luz que as armas fazem

e de quebra o som asqueroso das sirenes

que põe todas as mães em porcos de ódio

bem mais avessas à guerra que a sereias

(olvido sem música ouvido morto)

o caçador pernoitará sob céu frio

repousando de sua jovem esposa

se seus farejadores rastrearem

um cervo ou se emas de vento em popa

a mim a hera (prêmio devido ao

empenho de algumas cabeças a prêmio)

ata-me à meia-dúzia de superiores

poetas e prosadores que navego

quando a floresta e o sonho do florentino

alongam-me da usura e de muito murro

se machado não me quita a ironia

e ungaretti lança-me seu azurro

e se tu leitor não te aborreces comigo

porque me contento de errar entre eles

chegarei aos astros (traças do meu júbilo)

por via de negro onde poucos se inscrevem

2.

que tropos de sacanagem o poeta

secreta à poesia em seu antro

enquanto vai afogando dedos rogos

impertinentes em rasgos ângulos

enquanto verte vinho novo com velho

cântaro etrusco à falta de outro?

não quer turbá-la com matérias de capa

nem com a poeira de rebanhos gordos

tampouco com ouro ou marfim africano

(entoa-lhe as confissões do africano)

que outros podem o jardim ao soberano

com a foice aqueles a quem a fortuna

não quis foder e que o rico mercador

estimado pelos deuses agite em taças

de ouro os vinhos que logrou além-

fronteira a preço nenhum por boa graça

três ou quatro vezes por ano recorre

os céus do atlântico impunemente

a mim me alimentam raízes de bardana

quiabos que babam baba transparente

e saborosa verdes chicórias denteadas

assim espero aproveitar com ardil e sempre

os dons e os danos que ao redor de mim

brotam com normalidade intransigente

e que eu não caia corpo morto em velhice

prestativa (que a meio mundo agrada)

engordando columbas em praças de putas

e que minha cítara não quede calada

3.

saber o que seja está vedado

não sei que fim me darão os deuses

sequer o que se passará contigo

visível cláudio daqui a meses

números babilônicos falham

melhor é suportar o devir

aceitar de jove chuva e sol

e muitos invernos sem codorniz

toma juízo e o teu vinho

filtra e apura bebendo doses

modestas de modo que a esperança

não afrouxe larga nem transborde

melhor editá-la em breve tempo

(enquanto falamos ele evapora

invejoso) trama pois mesuras

ao momento deixa o mais sem demora

[1] Poema do livro Confissões Aplicadas, 2004.

(*) Ronald Augusto é poeta, letrista e crítico de poesia. Formado em Filosofia pela UFRGS. Autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013), Nem raro nem claro (2015) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com  e escreve quinzenalmente no http://www.sul21.com.br/jornal/

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 

 


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