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24 de maio de 2019
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10:40

O viés confirmacional: a imersão na bolha

Por
Sul 21
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O viés confirmacional: a imersão na bolha
O viés confirmacional: a imersão na bolha
Arquivo pessoal

Ronald Augusto (*)

 Quando observamos mais de perto o processo de alguns vieses cognitivos chegamos à conclusão de que nem sempre, como gostaríamos de acreditar, sabemos bem o que se passa em nossa mente. Ainda que, o mais das vezes, tenhamos a impressão de que nossos pensamentos se encadeiam com coerência uns depois de outros e uns com os outros, a questão é que nem sempre as coisas se dão dessa maneira. No geral, as pessoas não conseguem reconstituir ou rastrear com precisão o passo a passo de como chegaram a essa ou àquela crença em particular. Esse processo mental que produz impressões, intuições e, logo depois, crenças que vão servir de base às nossas decisões acontece em nós sem que, por assim dizer, sejamos informados a respeito.

Embora as razões desse processo nos escapem em muitas situações e, em consequência disso, nos levem ao cometimento de erros que poderiam ser evitados, a maioria dos nossos julgamentos e ações é apropriada na maior parte do tempo. Segundo Kahnemen em seu Rápido e devagar – duas formas de pensar, mesmo com alguns desvios cognitivos a maioria das pessoas apresenta um quadro saudável em termos epistêmicos.

É comum estarmos errados, mas a confiança desmedida em certos estados mentais não nos permite perceber a inconsistência de certas crenças que formamos. No geral estabelecemos um compromisso bastante conservador com nossas crenças e visões de mundo, estejamos ou não conscientes disso; nos aferramos a elas. Ao mesmo tempo é possível que nossas percepções, crenças, opiniões e filosofias não valham grande coisa. Mas o impacto das formas de pensar e formar juízos sobre nossas ações e nossas vidas é, não raro, devastador. Os fundamentos dos vieses cognitivos, portanto, devem ser testados, confrontados, rastreados o quanto possível, de modo que nossos juízos, julgamentos e ações sigam sendo apropriados na maior parte do tempo.

O viés cognitivo confirmacional se revela em situações nas quais precisamos testar hipóteses ou nos envolvemos em algum impasse ou conflito de opiniões. Nesses casos tendemos a dar mais crédito aos indícios e razões que confirmam o que já pensamos do que aos indícios contrários. O que chamamos de “bolha” do facebook, isto é, a constituição seletiva ou tendenciosa de uma comunidade de pessoas que “pensam como a gente” tem a ver, em alguma medida, com esse viés confirmacional. Deixamos de seguir ou bloqueamos aquelas pessoas que não pensam do mesmo modo que nós ou que em algum momento irão interpor objeções às nossas crenças e opiniões mais persistentes.

No mundo das redes sociais parece ser mais fácil construir relações de cunho confirmacional do que na vida real, digamos assim, inclusive porque podemos deixar de seguir um repentino desafeto sem que ele saiba que se tornou um desafeto e que também deixou de ser seguido. Ao vivo e em carne e osso somos razoavelmente mais polidos e políticos; em muitas situações apenas desconversamos. Tendemos a manipular evidências inconsistentes na perspectiva de não falsear aquelas hipóteses ou opiniões que de alguma maneira nos definem.

Alguns estudiosos entendem o viés confirmacional como uma espécie de recurso natural dos seres humanos para responder à sua capacidade limitada de processar informações, isto é, de acordo com tal concepção em atenção aos limites dessa capacidade o melhor seria persistir naquelas crenças que foram se formando em primeiro lugar ao longo de uma série. Outra maneira de interpretar esse viés cognitivo sugere que as pessoas manifestam tal desvio em função da necessidade de pesar os custos de estarem erradas ao invés de investirem suas forças numa investigação imparcial ou impessoal de caráter crítico-analítico. O custo de rever nossas crenças e filosofias de vida, longamente nutridas através de interações afetivas, sociais e culturais, seria bem mais complicado do que, por exemplo, proceder, quando necessário, a uma série de reparos parciais em relação a elas, de modo a não bulir muito na estrutura de nossas formas de observar e pensar as coisas.

(*) Ronald Augusto é poeta e ensaísta. Formado em Filosofia pela UFRGS. Autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012), Oliveira Silveira: poesia reunida (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e À Ipásia que o espera (2016). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e é colunista do portal de notícias Sul21: http://www.sul21.com.br/editoria/colunas/ronald-augusto/

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