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11 de janeiro de 2019
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12:19

As bravatas das primeiras semanas

Por
Sul 21
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As bravatas das primeiras semanas
As bravatas das primeiras semanas
O presidente eleito Jair Bolsonaro. Foto: José Cruz/ Agência Brasil

Ronald Augusto (*)

Bolsonaro vetou representantes dos governos de Cuba e Venezuela no dia da possessão. Isso passou em branco. Teve o consentimento dos formadores de opinião. Por outro lado, vetos como esse só aconteceram na época da ditadura, um período antidemocrático de nossa infame história.

Naquele momento, PT e PSOL foram acusados de desdém às formalidades da democracia por se recusarem a comparecer à possessão. A democracia precisa conviver com a desobediência que desmascara as contínuas contrafações da própria democracia.

Com que conceito de politicamente correto trabalha um sujeito cujas ideias são análogas às de uma grande liderança da ku klux klan?

Nos “libertar do politicamente correto”? Isso é pauta do humor stand-up.

O governo de Bolsonaro é uma ameaça. Seus integrantes e fiéis vaticinam: se isso daí não der certo, então o Brasil vai para o buraco. É a solução final.

Afinal de contas, até há pouco éramos comunistas ou socialistas? Dizer que o Brasil, com o governo Bolsonaro, agora ficará livre do socialismo, é como dizer que a partir de hoje a nação ficará livre da praga dos cangurus que, há décadas, desequilibra nosso meio ambiente.

O governo Bolsonaro quer achar a “porta de saída” do Bolsa Família para que os beneficiados não se acostumem com isso daí. Mas o Bolsa Família já tem uma baita “porta de saída” que é o condicionamento do recebimento do benefício à matrícula e frequência dos filhos (as crianças) no ensino regular. Em outras palavras, trata-se de um projeto também relacionado à melhoria dos índices de escolaridade. A safadeza do discurso que promete nossa libertação do socialismo visa na verdade o fim de políticas públicas como o Bolsa Família. O Brasil é um viciado totalmente dependente de doses absurdas de desigualdade.

A manifestação da ministra Damares a respeito de uma nova era em que meninos deveriam vestir azul e meninas rosa, é anacrônica, sim. Porém a situação revela algo mais grave. Em seu discurso de posse a ministra se mostrou mais conciliadora, tudo bem que se disse cristã com um entusiasmo arrogante e meio bobo, entretanto, no geral se manteve equilibrada. E depois? Finda a cerimônia, já entre os seus (sua claque de fundamentalistas; no vídeo ouve-se alguém entoando “adonai” e uma bandeira do estado judeu é sacudida), entre os iguais ela parece ter se libertado das amarras protocolares da democracia e, em tom meio debochado, como se estivera nos bastidores, disse o que disse como se profetizara uma lei a ser seguida por todos, independentemente da diversidade de convicções religiosas e filosóficas.

Será esse o jeitão do atual governo, suas prédicas e práticas, louvar e se comprometer com os valores ou clichês democráticos quando em público, porém, depois, na saída do púlpito, à socapa, entre os de sua quadrilha, todos risonhos, fazer e dizer justamente o contrário? Sim, trata-se de um governo de fraude, mas que nem se dá ao trabalho de esperar algumas horas para se vangloriar dos seus logros e poder rir, na intimidade indecorosa de seu bunker, da nossa cara de tacho, cara de quem defende a democracia com tanta ingenuidade e credulidade.

O clichê “representatividade importa” não pode ser reivindicado nem se aplica ao fato de não haver negros na equipe de governo de Bolsonaro. Para todos os efeitos isso é uma boa notícia.

Não haver negros no governo, e ainda mais nesse, não é de espantar. No mais é a rotina que segue. Seria contraditório e um insulto se ele convidasse um negro para a sua equipe de governo, basta rememorar suas palavras sobre os quilombolas.

Direita ostentação: o doidão – não parece haver melhor epíteto –, o doidão ministro das Relações Exteriores cita em grego uma passagem bíblica. Essa forma de erudição perdulária é típica dos medalhões.

Nos livraremos de alhos e de bugalhos: do gigantismo estatal e do politicamente correto.

Os discursos de Bolsonaro têm a eficiência da caneta bic com que ele simulou sua simplicidade dando possessão aos ministros.

Todas as medidas, todas as manifestações dos representantes do governo Bolsonaro, formam um contínuo, um só aglomerado da ideologia que começa a ser administrada aos brasileiros. Os primeiros movimentos não se dividem entre aqueles que seriam “cortina de fumaça” (Damares e o doido das relações exteriores, p. ex.) e os que seriam “o que realmente importa” (Paulo Guedes, Moro etc). Tudo segue junto e misturado. Os tuítes e as fakenews são o contraponto necessário e complementar à agenda do ultraliberalismo econômico em curso. Na verdade, o apoio afetivo e efetivo dos bolsonaristas ao governo depende bem mais das bizarrices ditas por ele nas redes sociais do que da propalada expertise do Paulo Guedes no comando do seu superministério.

O que tenho a dizer sobre políticos que usam metáforas de cunho futebolístico como tradução às suas ações e propostas? Que são uns medíocres e populistas e que desfazem com as mãos (rápidas) o que os nossos boleiros, por sua vez, fazem com os pés divinamente.

(*) Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.

 


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