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21 de setembro de 2018
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10:45

Outros fragmentos sobre os últimos dias

Por
Sul 21
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Outros fragmentos sobre os últimos dias
Outros fragmentos sobre os últimos dias
Foto: Joana Berwanger/Sul21

Ronald Augusto (*)

Semana Farroupilha

“MTG: precisamos contar um pouco da história da escravidão no RS, alguma sugestão?”

“O curador: vamos cenografar uma senzala bem realista usando tnt, papel pardo, fita crepe…”.

“MTG: quem vai fazer?”

“O curador: tem aquele vitrinista, como é o nome dele mesmo…”

O tempo passa, o tempo voa e a brancaiada ou a branquitude, como queiram, segue sedenta de representações em que negros aparecem atados ao tronco sofrendo os horrores da escravidão. Carência nostálgica; racismo e afetos: a falta edipiana da mãe preta. Como escreve o poeta Oliveira Silveira, eles querem que não nos esqueçamos de que fomos escravos, só que o poeta conclui: “eu disse: fomos.”

A campanha

O candidato de sua preferência confessou em entrevista (com a graça que lhe é peculiar) que depois de ter feito não sei quantos filhos homens, “deu uma fraquejada” e acabou fazendo uma menina. Isto é, para o candidato, quando o casal tem uma filha isso indica que o cara não foi macho o suficiente e, além disso, que ter uma menina é meio frustrante. Mas, enfim, você já é bem grandinho e não será por causa de uma piadinha que desrespeita sua mulher e sua filha que você repensará seu voto.

Você é branco e o candidato de sua preferência que, por coincidência, é branco, não vai bulir em nenhum dos seus privilégios. Mas, enfim, você já é bem grandinho e paga seus impostos como todo cidadão de bem e é temente a deus e odeia a política e os direitos humanos.

Você é negro e o candidato de sua preferência desumaniza quilombolas, pessoas negras que nem você. Mas, enfim, você já é bem grandinho e talvez o candidato até tenha apertado a sua mão.

O candidato de sua preferência não vai mover uma palha para fazer com que sua esposa receba um salário igual ao do colega de trabalho, um homem e que exerce a mesma função que ela. Sua esposa seguirá recebendo menos só porque é mulher. Mas, enfim, você já é bem grandinho e pode arranjar um esposo para melhorar o orçamento familiar.

Você vai votar num candidato que se passar para o segundo turno não ganha de ninguém. Quando a fé atende pelo nome de burrice. Mas, enfim, você já é bem grandinho e suas convicções cabem na media de um powerpoint.

O candidato é racista, mas se diz livre de corrupção. O candidato é misógino, mas vai garantir a arma que você tanto deseja. O candidato é homofóbico, mas acredita em deus e na desregulamentação. O candidato despreza a cultura, mas expulsará os refugiados venezuelanos. Se tudo que aparece antes do “mas” não tem a mínima importância pra você, então que a terra lhe seja leve.

Lobato

Os pais reclamam que literatura infantil faz apologia do suicídio, que literatura infantil leva o filho a ser gay, a filha a ser lésbica, mas os pais não se importam que seus filhos sejam bombardeados com o racismo brejeiro das historinhas do Monteiro Lobato. Fico só observando.

O racismo de Lobato sempre é negado com base no argumento do “contexto de época”, isso é uma impostura. Na época de Lobato havia um pensamento que questionava a eugenia, pessoas que não aceitavam tal ideia, então essa desculpa não cola mais. Para quem Lobato escreve? Para negros é que não é, inclusive porque seus personagens negros são desrespeitados o tempo todo. Nastácia por exemplo é chamada de macaca de carvão pela escrota Emília. Essa suposta grandeza de Lobato deve ser revisada. A “literatura brasileira”, sua tradição, tematiza majoritariamente o mundo da branquitude, portanto trata-se de uma literatura branca com falsas pretensões universalizantes.

Lobato não retratou o racismo, ele se comprometeu com o racismo. Sonhava com uma KKK tropical. E, como sempre, os que saem em sua defesa, em sua maior parte, são brancos. Isto é, não conseguem se colocar na posição de um receptor negro. Dizem: “li Lobato, mas não sou racista”. Eles é que pensam.

Como já foi dito por alguém: não basta não ser racista. E o ponto não é o de sair incólume da leitura do Lobato, mas negar o evidente racismo de sua literatura. Por outro lado, como eu já comentei acima, brancos não conseguem se colocar na posição do receptor negro. E ainda com relação à literatura desse senhor, antes fosse uma questão de simples boicote. Só que é mais complexo e não tem graça nenhuma.

Lava Jato

Sobre a defesa da delação premiada: se 4 pessoas dizem a mesma coisa a respeito de um denunciado, de modo a confirmar seu crime, é provável que ele seja culpado. Meu amigo, anote aí: “Cem coelhos nunca fizeram um cavalo, como cem presunções não fazem uma prova.” [Crime e castigo, Fiódor Dostoiévski, pg. 229, v. II].

(*) Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com

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As opiniões emitidas nos artigos publicados no espaço de opinião expressam a posição de seu autor e não necessariamente representam o pensamento editorial do Sul21.


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