Ronald Augusto (*)
Enviar uma carta para Lula não é apenas uma manifestação de carinho (mesmo que fosse só isso não seria um gesto de todo desprezível), é um ato político.
Alguns amigos me alertaram para não enviar a carta a Lula usando o endereço da Polícia Federal. A PF teria dito que as cartas seriam jogadas no lixo. Se os responsáveis pela instituição de fato fizerem isso, não será incorreto afirmar que se trata de tentativa de terror e de tortura em relação a Lula. Afinal, prisioneiros têm direito a receber cartas. Acontece que, a rigor, o mais importante não é Lula ler ou não a minha carta em particular. A carta a Lula não é destinada apenas à sua importante figura. A carta é destinada a mobilizar a todos que não concordam com o contemporâneo estado de coisas. A carta é destinada também ao modus operandi da Polícia Federal e aos abusos de um judiciário partidarizado, seletivo e elitista. Se a PF jogar fora algumas dezenas de cartas, seremos derrotados, pois ninguém perceberá. Entretanto, se a Polícia Federal do Paraná for obrigada a se desfazer de milhares e milhares de cartas, então daí ficará mais complicado esconder essa forma de desrespeito e intimidação.
Também fui informado que é possível enviar a carta ao diretório do PT em Curitiba. O que pode acontecer neste caso? O PT recolherá um mundaréu de cartas e levará até à Polícia Federal. Se a encomenda não for recebida para ser entregue ao destinatário, a PF ficará com sua imagem prejudicada. Se Lula receber as cartas, ótimo.
Reitero que a carta não é para mobilizar Lula. É para que nos mobilizemos uns aos outros, nem tanto em torno do drama da figura política de Lula, mas em vista de reagir à onda montante de assassínios, aos retrocessos sociais, ao reacionarismo, e à injustiça travestida de legalismo.
Por isso publico aqui minha missiva que enviei sob o registro JR277306588BR. Anexo também um poema que publiquei em minha página no Facebook em homenagem ao Lula como homem-ideia.
Porto Alegre, 11 de abril de 2018
Lula, meu querido, o adágio segundo o qual um homem só não é temido nem estimado, cai por terra diante da sua momentânea condição. Ainda que sejamos movidos e constituídos por relações afetivas e solidárias, nossas escolhas cruciais se efetivam na solidão mais dramática. Você, apesar de ser um homem-muitos, é agora esse corajoso homem só que mobiliza, ao mesmo tempo, toda a nossa estima e o temor daqueles que odeiam as ideias de liberdade e de justiça social protagonizadas por quem sempre esteve – e não pretende estar mais – à margem do direito e da cidadania. Mas graças a você, e a muitas e muitos, as conquistas alcançadas nos estimulam, por um lado, a não tolerar qualquer forma de retrocesso e, por outro lado, a prosseguir na luta por mais direitos e respeito social.
Obrigado por tudo até agora e pelo que ainda virá.
Um abraço, com toda a estima desse seu desconhecido amigo,
Ronald Augusto
a ideia de chinelo de dedos
de calção ao estilo anos setenta
o severo relógio em contraste
com a sem-cerimônia do jeitão
o bigode aplicado à ideia
a camiseta de algodão das mais baratas
com a serigrafia da entidade
sobre o estrado ao pé da mesa
um copinho de café sujo de café frio
a naturalidade com que a ideia segura o microfone
como se o desdenhasse como se fosse um cigarro
que é aceso para ser descartado
a ideia está ali
(*) Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e crítico de poesia. É autor de, entre outros, Confissões Aplicadas (2004), Cair de Costas (2012), Decupagens Assim (2012), Empresto do Visitante (2013) e Nem raro nem claro (2015). Dá expediente no blog www.poesia-pau.blogspot.com e escreve quinzenalmente aqui no http://www.sul21.com.br/jornal/
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