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16 de outubro de 2017
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10:45

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Na imagem, um selo postal do Azerbaijão, comemorando dos 35 anos de invenção da Internet. Do Wikimedia Commons.

Ronald Augusto

1: A crítica na internet

Não se sabe se o espaço da atividade crítica será em definitivo o da internet, digamos apenas que, neste momento, é aí que ela tem se manifestado de maneira mais avassaladora e complexa. Por outro lado, quando o jornal e o jornalismo disputam o qualificativo “barato”, na esperança de falar o mais rente possível aos desejos dos seus leitores, o resultado imediato é a depreciação da possibilidade de alguma forma de análise.

O fato de a internet ser um território democrático ou anárquico, parece dar margem tanto para a mais destemperada opinião de seguidores do que quer que seja, quanto para a viabilidade de um pensamento crítico não tutelado. Não podemos afirmar que a migração da crítica de suporte papel para o âmbito virtual é um fato consumado. Cada meio engendra um determinado estilo de crítica que lhe é coerente. Mas o que se publica na internet é de fato uma forma efetiva de crítica?

Talvez o que nos incomode seja essa sensação de que fazer crítica hoje tem mais a ver com o humor do tipo stand-up. Entretanto, essa espécie de humor não consegue ocultar sua escatologia reacionária. Dizem que a melhor crítica é aquela que incorpora algo de ironia. Só não concordamos que no bojo desta atividade a última palavra tenha que ser concedida ao humor. Em que tom os instrumentos da crítica são executados na internet? Pela reação, o mais das vezes, contrária a um senso crítico de corte mais severo, parece que o slogan contemporâneo para a atividade poderia ser algo do tipo “sejamos críticos, mas nem tanto”.

Sobre a questão da proliferação da crítica na internet como um fato que talvez aproxime o leitor do seu raio de atuação e se a internet provocou mudanças na crítica tradicional, parece natural que isso aconteça. Mas a situação causou o seguinte fenômeno: há a circularidade de uma presunção que pretende substituir outra, isto é, o discurso do crítico propositivo (o que não capitula), que o senso comum enquadra dentro do estereótipo do sabe-tudo, se choca com a falação do leitor-internauta respondão, que acha que pelo simples motivo de pagar seus impostos tem o direito de replicar à vontade, estando ou não ao lado da razão. Ambos os discursos se anulam na intransigência do “direito à expressão”, compreendido aqui como clichê retórico.

2: Diversidade e pertencimento culturais

Diversidade cultural implica um dilema, a saber: é preciso reconhecer tanto a minha particularidade, quanto a particularidade do outro, mas ambas como instâncias aproximativas do universal. Isto é, graças às particularidades é que podemos conceber o universal como uma categoria em movimento. O conceito de Homem por meio do qual aceitamos, a princípio, que o outro pode ser considerado como “meu semelhante, meu irmão”, só é possível porque a imagem intuitiva que fazemos de Homem e, por outro lado, de nós mesmos, se constitui de uma infinidade de tipos humanos particulares que, no entanto, apresentam muitos traços em comum. Esses traços comuns é que nos permitem dizer que Malcom X, por exemplo, além de suas singularidades, é um homem como qualquer outro.

O conflito cultural toma o lugar da diversidade cultural quando pretendemos universalizar nossa particularidade, isto é, quando lutamos apenas pelo nosso reconhecimento sem levar em consideração um simétrico desejo de reconhecimento do outro; quando um grupo em luta por reconhecimento tenta impor a sua particularidade sobre a de outro grupo. O nazismo se nutriu dessa visão e tentou inverter a equação: ao invés de afirmar que o ariano era um homem igual aos demais, esta ideologia fez de tudo para que o Homem fosse reconhecido apenas como sendo o ariano. O modelo de homem deveria ser o ariano.

Então, de acordo com a noção de diversidade cultural, o outro tem a capacidade de ser, ao mesmo tempo, tanto um igual, como um estranho. O pertencimento a uma cultura ou a posse de dados culturais específicos não significa uma condenação absoluta. Assim como há uma mobilidade social, é possível pensar em uma mobilidade ou maleabilidade cultural. Com relação à herança cultural – hábitos e costumes –, além de nos reconhecermos herdeiros de tais realidades, há algo mais forte a ser feito, a saber, precisamos pensar os limites e as possibilidades dessa herança, avaliá-la e colocá-la em relação. Relativizar também significa “pôr [-se] em relação com”. Como não existe cultura pura em sentido estrito, a dinâmica cultural pressupõe um situar-se em constante relação com o outro que, se bem consideradas as implicações, tem a capacidade de me fornecer a medida de mim mesmo.

***

Ronald Augusto é poeta, músico, letrista e ensaísta. É autor de, entre outros, Homem ao Rubro (1983), Puya (1987), Kânhamo (1987), Vá de Valha (1992), Confissões Aplicadas (2004), No Assoalho Duro (2007), Cair de Costas (2012) e Decupagens Assim (2012). Dá expediente no blog POESIA-PAU. 


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