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31 de dezembro de 2016
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11:04

Sartori, Temer e os serviçais do Capital

Por
Sul 21
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Sartori, Temer e os serviçais do Capital
Sartori, Temer e os serviçais do Capital
Michel Temer e José Ivo Sartori, durante encontro, em 2016, no Palácio Piratini. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Michel Temer e José Ivo Sartori, durante encontro, em 2016, no Palácio Piratini. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Raul Pont (*)

O que intriga os cidadãos gaúchos com o pacotaço do Governador Sartori (PMDB) é a comparação entre os prejuízos causados ao Estado e a milhares de servidores e os resultados obtidos para tirar “o Rio Grande da crise”.

 Os resultados são pífios, ridículos. Uma fraude, assim como foi a campanha eleitoral. Esta foi dominada pelo simplório “gringo que faz” e que preservava os conselhos da “Nona”. Nenhuma medida do pacote foi apresentada na propaganda: nem extinção de órgãos e menos ainda privatizações. Portanto, estamos diante de uma fraude eleitoral. Os eleitores foram enganados.

  Afinal, os candidatos conheciam a situação das finanças públicas, o PMDB tinha uma das maiores bancadas, já governara com Britto e Rigotto, e durante o governo Tarso estavam sempre na vanguarda por maiores salários, maiores isenções e benefícios fiscais e na criação de vergonhosos privilégios como a criação de uma previdência própria para os deputados com recursos públicos.

  O pacote, portanto, não pode ser visto como um conjunto de maldades. Uma caipirice do “gringo que faz” contra funcionários e órgãos considerados supérfluos. Desde o início do governo criou-se a ideia do caos, para justificar o ataque ultra liberal ao Estado gaúcho.

  O Zé Ivo da juventude, militante da luta democrática, apoiado pelo PCB de Caxias, transformou-se em mais um renegado da esquerda. Na reorganização partidária abandonou o campo popular e liderou na Assembléia o governo Britto, o campeão das privatizações e da entrega do patrimônio público gaúcho como a Cia. União de Seguros, a CEEE e a CRT. Por sinal, este probo cidadão saiu do governo para ser diretor de uma das empresas calçadistas para a qual concedeu benefícios fiscais e hoje exerce a nobre função de lobbysta da indústria farmacêutica em Brasília.

   O problema do Sartori e do PMDB, portanto, não é de maldades ou asnices, mas de opção político-programática, de ideologia, de subordinação dele e do Partido ao neoliberalismo, ao rentismo financeiro e para isso é necessário destruir o Estado incentivador, emulador da economia e da garantia dos serviços essenciais básicos, herdado do nacionalismo desenvolvimentista de Vargas e do trabalhismo, berço da resistência democrática onde nasceu o velho MDB.

 Nada mais patético do que hoje ver essas figuras históricas como Pedro Simon  no último 24 de agosto discursando em frente à Carta Testamento de Vargas, na Praça da Alfândega, ou o Ibsen Pinheiro aplaudindo Temer e Cunha na Assembléia Legislativa quando estes apresentaram a “Ponte para o Futuro” como projeto do golpe em preparação. Renderam-se, totalmente, ao liberalismo golpista. Renunciaram a qualquer veleidade democrática e desenvolvimentista.

 Temer e Sartori são hoje a ponta de lança do rentismo financeiro, da liquidação do Estado Nacional, da absoluta submissão ao programa entreguista e reacionário do PSDB, cujo projeto continua o mesmo: um país para 30% da população, um quintal para o imperialismo americano, a entrega da Petrobrás e do Pré-Sal,  nenhum investimento em Ciência e Tecnologia que dê autonomia ao país e as leis do mercado resolvendo tudo. O país que querem é o da brutal desigualdade, da intolerância e do preconceito e do fim da pluralidade da informação e da cultura. Não é coincidência o que faz Temer com a Universidade, a Escola e a TV Brasil e o que Sartori aplica no Estado em relação à Cultura e à Comunicação Pública. A Emenda Constitucional 241/55, liquidação dos direitos sociais da Constituição de 88, é a síntese mais acabada da submissão aos bancos e aos especuladores desse governo.

   A esta altura da crítica o leitor(a) deve estar pensando: mas havia outra saída? A Globo e a RBS repetem diariamente que “para doenças graves o remédio é amargo”! “Não há saída, afinal os governos do PT deixaram terra arrasada”! Ou, de forma mais comedida, “a oposição não apresenta alternativas, não propõe nada”.

  Vamos fazer alguns raciocínios simples e mostrar que havia e   alternativas concretas e factíveis com muito menos prejuízos para o Estado e para milhares de servidores, atingidos pelas extinções de órgãos e entidades necessárias ao papel do Estado moderno e, principalmente, com justiça social, com visão de equilíbrio, de busca de igualdade social diante de uma crise conjuntural.

   Diz o governo Sartori que pretende economizar, com a extinção das Fundações, em torno de R$ 120 milhões ao ano. Frente ao salário mínimo ou a economia caseira da “Nona” pode parecer muito. Mas diante do Orçamento do Estado do RS de mais de R$ 50 bilhões é muito? Não passa de 0,2% do Orçamento! É isso, distinto leitor(a), 0,2%! Essa é a enorme economia que vai salvar o Rio Grande.

   De onde pode sair R$ 120 milhões que substitua as Fundações extintas e e seus servidores necessários e importantes para o Estado?

   Só de auxílio-moradia para o Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas, o Estado gasta mais de R$ 80 milhões por ano. Exatamente onde estão os maiores salários do Estado. No Executivo, onde estão os menores salários, não há auxílio-moradia.

   Esses órgãos possuem outros penduricalhos como auxílio-refeição, auxílio-condução, auxílio-creche que somam outras dezenas de milhões de reais, mas fiquemos no auxílio-moradia, o mais escandaloso, imoral e ilegal, pois não tem lei que o sustente no Estado. Ao contrário, no final de 2014 a Assembléia Legislativa aprovou lei e, em 2015, o governador Sartori sancionou-a determinando que somente com envio de lei respectiva o Judiciário poderia se pagar tal vantagem. Em flagrante benefício próprio uma desembargadora concedeu liminar “suspendendo a lei por inconstitucional”. Um verdadeiro absurdo! É a corrupção que a Lava-Jato não vê.

   Se somarmos os 80 milhões aos gastos do Tribunal de Justiça Militar, outro órgão completamente desnecessário e que poderia ser substituído por uma vara especializada, já teríamos o mesmo orçamento que o governo quer economizar com as Fundações extintas.

   Se faltar algum recurso, o governo Sartori pode determinar a sua fiel bancada extinguir a Previdência Especial dos deputados que as bancadas do PMDB, PSDB, PP e PTB criaram em 2014, em benefício próprio e que só se sustenta com orçamento público. Por sinal, o Procurador Geral da República Janot, ao encaminhar ao STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade da OAB contra essa vergonha a referendou dizendo que além de inconstitucional é imoral  pelo explícito benefício próprio dos autores e estes já estão abrigados pelo INSS desde os anos 90. Em suas viagens a Brasília, o governador poderia visitar o STF e tentar agilizar o julgamento.

  O problema, portanto, não é de falta de recursos ou de uma ação de racionalidade administrativa que aloque bem as receitas disponíveis.

   A opção do governador Sartori não é coibir privilégios nem zelar pela aplicação racional e justa dos impostos mas liquidar com um modelo de Estado. Isso ficou evidente na demagógica Emenda Constitucional acabando com a autonomia dos Poderes e não combatendo privilégios.

   O que é mais importante para o Planejamento e para a planificação dos gastos e investimentos públicos, para a difusão da Cultura via rádio e TV públicas: manter instituições como a FEE e a Fundação Piratini ou continuar pagando auxílio-moradia para os mais altos salários do Estado?

   “A crise, porém, é muito maior, é estrutural”, dirão os defensores do Estado mínimo e do mercado.

    Inicialmente queríamos mostrar que mesmo no quadro de crise apresentado e ampliado pela mídia, com os atuais recursos e com um pouco de justiça social já seria possível outro caminho.

   Do ponto de vista estrutural, histórico, a crise das finanças públicas do Rio Grande não é muito diferente de outros Estados e já tem diagnóstico há algum tempo. Governos e Partidos distintos receberam e entregaram ao sucessor o Estado com déficit crônico no regime próprio da previdência, com o problema da dívida negociada em 1998 com a União (Britto-Busatto, sempre o PMDB) em péssimas condições e cláusulas leoninas contra o RS e com o maior e verdadeiro câncer  que corrói as finanças públicas que é a guerra fiscal e a desoneração dos produtos primários para exportação (lei Kandir). Aí estão os bilhões de receita perdida que dariam equilíbrio financeiro ao Estado.

   A dívida com a União está em negociação, o regime próprio sofreu reformas profundas e tenderá a diminuir como déficit, mas levará uma geração, ao menos. O grande esforço estratégico, estrutural que o Estado precisa realizar é contra a guerra fiscal e a desoneração para exportação. Adotar essa visão (guerra fiscal) como política industrial é um erro brutal, um suicídio das finanças públicas que só beneficia as empresas. Sem guerra fiscal, a concorrência é restabelecida e se recupera a capacidade financeira do Estado para atender suas obrigações constitucionais nos serviços básicos de saúde, educação e segurança.

   A questão básica do Rio Grande não é o fato da despesa ser maior que a receita. O problema é que com isenções e benefícios fiscais a receita não se realiza. Com um governador cuja cabeça está dominada pela concepção neoliberal reinante talvez isso seja incompreensível. Por isso opta por saídas falsas como aumentar o ICMS, diminuir gastos, demitir funcionários, retirar o Estado da Economia, não fomentar o crescimento, etc … O resultado é o que vemos: desemprego, queda do PIB, diminui a arrecadação e o orçamento e o governador extingue as Fundações e quer privatizar o que sobrou. Um desastre histórico. Todos os períodos de maior crescimento econômico, de saltos de qualidade no desenvolvimento do país, ocorreram a partir do Estado como elemento propulsor ou na ação direta do poder público.

  Para enfrentar os verdadeiros problemas  elencados como corrigir o regime próprio da previdência, extinguir os privilégios da previdência parlamentar, acabar com a guerra fiscal, ampliar tributos diretos sobre lucro, renda e patrimônio, tomar iniciativas para retomar o crescimento econômico e a geração de emprego, defender e manter as empresas públicas, a oposição certamente estará aberta ao debate e ao diálogo que caracterizam o poder legislativo. O primeiro passo deve ser o fim da violência da BM diante dos servidores, da juventude e do povo, a retirada dos projetos de privatização ainda não votados, a manutenção do emprego e a revisão das extinções de órgãos e Fundações necessários para o desenvolvimento do Rio Grande.

  Nesse momento, no entanto, a maior e principal tarefa da oposição é a construção de sua unidade e resistência e de total defesa e solidariedade aos trabalhadores atingidos pelas extinções e privatizações projetadas. É a luta contra a barbárie e a destruição dos direitos sociais dos governos Temer e Sartori e seus partidos aliados. O bloco de oposição que se organiza na Assembléia Legislativa é o rumo a ser seguido nas ruas e nos movimentos.

   O Fórum Social que viveremos neste mês de janeiro em Porto Alegre é um momento privilegiado para avançar na construção dessa unidade.      

(*) Raul Pont é professor, ex-prefeito de Porto Alegre e ex-deputado.


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