Raul Ellwanger
Recém chegado do exílio, bati os olhos na poesia de Nei Duclós. Poeta da minha geração, com temáticas que me tocavam, foi amor à primeira vista. Em especial o poema Apesar de tudo me emocionava, por causa de um episódio muito pessoal ocorrido dez anos antes.
Mesmo estando com a métrica livre, o poema tem sua andança, seu ritmo. O problema é que está dividido em medidas ímpares, o que contraria a tradição da canção, que tem sua simetria binária ou ternária. A solução foi compor sobre um compasso de 5/4, incomum em canções populares, mas cujo resultado ficou bem satisfatório. Sem nenhuma dúvida, a fluidez do fonograma gravado se deve ao trio Wagner Tiso, Robertinho Silva e Luís Alves. Há um solo de clarinete muito lindo de Guima, que faleceria em seguida. Também o naipeamento do acordeom com clarinete e piano criou um timbre muito bacana. La no fundinho desta canção, esteve sempre aquele meu amor por Dave Brubeck e seu Take Five.
A temática da ressurreição permeia esta letra, que veste a pele dos soldados mortos, toca melodias que ressuscitam e que rebentam em canto, que trocam as velas com os trapos e remendos do tempo, a bordo de naus sem volta. Desgarrador, frágil e denodado. Muito lindo, profundo. Por todos os motivos, pedi para batizar a canção como Teimoso e vivo, e assim ela acabou dando nome ao meu “elepê” de estreia.
O episódio de dez anos antes consiste no serviço feito por policiais, jornalistas e jornais seus amigos, difundindo minha morte e mutilação em São Paulo, com detalhes da minha chegada a Porto Alegre em um caixão lacrado e urgente sepultamento na madrugada. Muita pena causou este boato à minha família e amigos e companheiros. Assim que pude, em minha primeira “vitrine”, tratei de gritar bem alto: teimoso e vivo!
Teimoso e vivo
Raul Ellwanger – Nei Duclós
Apesar de tudo sou teimoso e vivo
Sou teimoso e visto a pele dos soldados mortos
Apesar de tudo sou teimoso e insisto
Sou teimoso e visto a pele dos soldados mortos
Neste carrossel de espanto
Que carrego dentro dos olhos
Toco melodias que me ressucitam
Levanto com esforço as âncoras
E parto nas naus sem volta do meu canto
O tempo é novo
E eu tenho a mania insone
De rebentar em canto
Apesar de tudo sou teimoso e vivo
Sou teimoso e visto a pele dos soldados mortos
Apesar de tudo sou teimoso e insisto
Sou teimoso e visto a pele dos soldados mortos
Neste carrossel de espanto
Que carrego dentro dos olhos
Toco melodias que me ressucitam
E sempre tenho que trocar as velas
Rebentadas ao vento
Com remendos colhidos dos violentos
Trapos do tempo.