Colunas>Raul Ellwanger
|
15 de setembro de 2017
|
19:20

Canções de compromisso: Ouro e barro

Por
Sul 21
[email protected]
Canções de compromisso: Ouro e barro
Canções de compromisso: Ouro e barro
Raul Elwanger/Arquivo pessoal

Raul Elwanger

Após um descanso sabático que começara pelo disco Luar, por insistência de Santiago fizemos uma seleção de temas bonitos que haviam ficado esquecidos na gaveta, e assim nasceu o disco Boa-maré. De certo modo, encerra um ciclo e denota uma despreocupação com carreira e trabalho, como se pode ler no seu encarte. Achei que iria parar por ali, mas, pelo contrário, tomei gosto e voltei a compor com intensidade e a pensar na produção de novos discos. Nesta safra surgiu este tema, que unido a uma linda foto do amanhecer dourado na Praia do Rosa, tomada desde a cabana no alto da colina, terminou por dar título ao disco Ouro & barro, onde reuni uma nova safra de canções compostas nos anos 2000.

Miséria e grandeza são seu motivo literário, simbolizadas na oposição daqueles materiais. Num momento de gratidão, de paz amorosa, de esperanças renovadas, o letrista é feliz simplesmente por viver, por tocar seu violão, por ter sua ínfima parte no universo, quando um pequeno grão do pó das dunas ou a tênue luz das estrelas podem ser grandes e importantes. Foram os servos navegadores sequestrados pelos portugueses no Oceano Índico que os ensinaram, à luz do então “desconhecido” Cruzeiro do Sul, a orientar-se abaixo do Equador. Daí a citação das caravelas. A luzinha de quatro estrelas influiu na história. As duras e antigas marcas da jornada, as flores perdidas, através da fantasia musical, podem abrir novos caminhos de fé. Lama e gemas são calçadas do mesmo caminho, onde te espera teu quinhão. Uma réstia de luz das estrelas pode mostrar o bom rumo.

Em certos duetos deixamos de lado o costume de cantar as duas vozes perfeitamente alinhadas, optando por emitir simples exclamações superpostas ou sucessivas (e afinadas) sem qualquer pretensão artística, apenas por fazer algo diferente. Olhando o tal de “conjunto da obra”, noto que o tema do “quinhão de cada um” reaparece em outras canções, assim como o acorde aberto suspenso sem resolução também está em outros temas. Fazendo uma correlação música/texto, suspeito que o acorde indefinido está pedindo sua continuidade e seu preenchimento, que virão se alguém “lutar pelo seu quinhão”.

Plauto Cruz me presenteou com sua intepretação nesta faixa. Não só uma, mas cinco. Uau! Como?  Bem, além do espetacular solo ao estilo chorão na parte do improviso, ele gravou as outras quatro faixas de arranjo para flauta, iluminando todo o fonograma com sua arte e classe. Também nesta canção tive a voz solista de Santiago, expressivo e personalizado, quanto mais com o sotaque carioca que imprimiu ao seu cantar. Numa estrutura cancionista bem simples tipo A + B, com duas repetições intercaladas pelo intermezzo solista do mestre Plauto, parece que uma pergunta fica no ar quando o acorde final de dominante com sétima fica flutuando sem resolução. Pediria continuação? Ou apenas fica boiando ali, ressoando harmônicos em nosso coração?

 

 

Ouro e barro

Raul Ellwanger

Em cada dia que eu viver
Cada noite amorosa
Quero cantar e agradecer
A benção que me toca

Ouro, barro
Algum quinhão me cabe
Lodo, jade
Meu violão me vale

Se o Cruzeiro iluminou
O mar das caravelas
Quero semear um grão de amor
Por mim, por ti, por ela

Ouro, barro
Algum quinhão me cabe
Lodo, jade
Meu violão me vale

Nas cicatrizes do olhar
Flores pisadas pelos pés
Santa loucura das canções
Revolução e fé.

***

 


Leia também
Compartilhe:  
Assine o sul21
Democracia, diversidade e direitos: invista na produção de reportagens especiais, fotos, vídeos e podcast.
Assine agora