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25 de agosto de 2017
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10:00

Canções de compromisso: Meu braço de violão

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Sul 21
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Canções de compromisso: Meu braço de violão
Canções de compromisso: Meu braço de violão

Por Raul Ellwanger (do livro Nas Velas do Violão)

Paulinho Tapajós é um dos letristas mais prolíficos e classudos da MPB. Sendo uma pessoa doce e suave ao extremo, em sua companhia era natural misturar amizade e criação artística. Desde jovem se consagrou como vencedor de festivais e passou a compor com grandes nomes da nossa música, assim como com outros pouco conhecidos, onde orgulhosamente me incluo. Desde o Festival da Faculdade de Arquitetura, na Porto Alegre de 1968, ficamos para sempre amigos, jogamos muitas peladas, tomamos alguns “garotinhos” e fizemos algumas canções.

Leon Juca Nascimento e Carlos Coria gravando brazo de guitarra em itajai c. 2003

Uma faceta espetacular de Paulinho era a eficácia, o foco, a justeza de sua letra. Nas parcerias, é sempre um espaço delicado entre compositores a situação em que ambos são tanto cancionistas quanto letristas. Nada mais natural que cada um por seu lado seja tentado a mexer em certa parte da melodia do outro, em trocar uma palavra da letra do um, enfim, tentar melhorar. Isso ocorre sem má intenção, mas em alguns casos toca certas teclas de amor próprio que podem reagir com aspereza. Passei por esta situação algumas vezes, em geral sem maiores consequências.

Com Tapajinhos, maneira carinhosa pela qual o tratava, não havia chance de surgir o constrangimento. Recebida uma música, em pouco tempo ele escrevia a letra, que era clara, bela, certa, medida, cantável, com todos os atributos da boa canção brasileira. Assim foi com este Braço de violão: foi bingo direto! Quando me deu a folha de papel com os versos, disse que neste caso a letra não era ele, mas sim era Raul, no sentido de que nela tentava mostrar a pessoa do seu amigo. Num termo de futebol, Paulinho era um craque nas parcerias.

Gosto muito das expressões “madeira em lugar de braço, o acorde em lugar de mão” e de “na minha mão é meu braço”, sem desmerecer as demais. Referências como “armado até os dentes”, “punhal”, “revólver”, “facão” explicam porque a canção é de Raul e não de Paulinho, dadas a vida atribulada de um e a índole pacata de outro.

Para incrementar esta doce e prazenteira mistura de arte e carinho fraterno fecundada nas próprias cordas de nosso instrumento pessoal, fomos contemplados com a versão criada por León Gieco que se chama Brazo de guitarra. Talvez acentuado pelo lado incisivo e viril do idioma castelhano, o lado belicoso e áspero da letra ficou mais evidente nesta versão. A originária toada binária típica do interior do Brasil, para meu grande desfrute foi convertida por León numa boa e dinâmica zamba de três tempos, temperada por sua gaitinha harmônica. Se Augusto Roa Bastos dizia que gostava da língua portuguesa porque era “un idioma sin huesos”, podemos então nós os brasileiros gostar de castelhano porque tem ossos.

A amizade com Paulinho não se abateu por distâncias ou silêncios, sempre tranquila entre parcerias, peladas, famílias, boemias, dores e alegrias. Por ele, tive o privilégio de conviver com outras maravilhosas pessoas, como Dorinha, o velho Paulo, Maurício, dona Norma e a grande Lozinha. Ao gravar a canção em Itajaí, para o disco Boa-maré, tive o prazer de contar com o canto do próprio León e com um solo vocal-guitarrístico de Carlos Coria, da melhor qualidade.

Meu braço de violão

Raul Ellwanger – Paulinho Tapajós

Não sei o que sinto e faço
Se abraço meu violão
Madeira em lugar de braço
O acorde em lugar de mão
Qualquer canção que vier
Já não me assusta não

E tenho até a impressão
Que o braço do violão
Na minha mão é meu braço
Punhal, revólver facão
Qualquer canção que vier
Já não me assusta não.

E fico armado até os dentes
Saudade, alegria ou paixão
Não há nesta vida quem possa dobrar
Meu braço de violão.

Brazo de guitarra

Raul Ellwanger – Paulinho Tapajós – Versão León Gieco

Yo nunca sé qué me pasa
Cuando abrazo a mi guitarra
Madera en lugar de brazo
Acorde en lugar de mano
Cualquier canción que aparezca
Ya no me asustará

Y tengo la impresión
Que el brazo de mi guitarra
En mi mano es mi brazo
Lanza, lazo y puñal
Cualquier canción que aparezca
Ya no me asustará

Y así me armo hasta los dientes
Nostalgia, alegria o pasión
Y nunca será madera quebrada
Mi brazo de guitarra.


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