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18 de agosto de 2017
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09:30

Canções de compromisso: Irmãozinho de batalha

Por
Sul 21
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Canções de compromisso:  Irmãozinho de batalha
Canções de compromisso: Irmãozinho de batalha

Raul Ellwanger

Quando cheguei de volta ao Brasil, no final de 1977, trazia na mochila uma boa safra de canções, feitas durante os anos que vivi em Buenos Aires. Entre os estudos no Conservatório Manuel de Falla, as aulas a domicílio que dava pelos bairros, as tocadas nos botecos brasileiros, o trabalho de cruner numa orquestra de carnaval em La Plata, tinha crescido como músico e compositor.

Nessa mochila vinha um bosquejo de canção dedicada a Raul Porchetto, composta no gênero de chacarera, que é uma mistura original de dança e canto, mescla de 3/4 e 6/8, fusão de Andaluzia e Santiago del Estero. Gravado em meu primeiro disco, Teimoso e vivo, de 1979, o fonograma original saiu bastante bom, especialmente porque após exaustivas investigações em toda a cidade de Porto Alegre, conseguimos com Talo Pereyra encontrar um bombo leguero meio mambembe, que alguém tinha trazido como recuerdo da Argentina, desses modelos de loja de turista, que foi bem tocado pelo fotógrafo Nestor Candi.

A letra fala do clima de opressão e medo que se viveu na Argentina após março de 1976. Por isso fala da canalha, da cidade como prisão, da noite. E também procura ser um estímulo ao músico roquenroleiro Raul Porchetto, para que siga semeando canções, somando barro e tijolo, fazendo chão ao andar (Antonio Machado, claro), mesmo oprimido na escuridão. Originalmente composta e gravada em dois idiomas, o segundo fragmento B diz em castelhano do violão como arma, da revolta como canção, do canto como construção.

Sendo um híbrido “aire” de chacarera, o tema ganhou qualidade com o arranjo pouco ortodoxo de Carlos Garofalli, baseado na levada de meu violão e na sonoridade do bandoneón, completados por um vocal feminino. Ignoro gravação ou referência anterior à chacarera,  aqui no sul do Brasil, ritmo ou gênero que se tornaria muito usado e muito esculhambado nestas plagas, gerando abcessos inaudíveis, mistos de guará com mão-pelada, como dia certo amigo meu.

O portenho Raulito Porchetto passou uma breve temporada conosco em Porto Alegre no final dos anos 70, como medida preventiva ante a insegurança que assolava seu país. Assim, a letra diz que “tua fronteira é meu corredor”, para assinalar que seu estranhamento da pátria encontraria abrigo e intimidade na casa de seus amigos brasileiros.

Irmãozinho de batalha

Raul Ellwanger

Irmãozinho de batalha
Plante rock ou chacarera
Não te assustes da canalha
Plante trigo a noite inteira

Deste barro se faz casa
Deste milho se faz pão
Da madeira sai canoa
Da miséria uma canção
Com cabeça se vai longe
Caminhando se faz chão

Irmãozinho de batalha
Plante rock ou chacarera
Não te assustes da canalha
Plante trigo a noite inteira

Tu guitarra es tu cuchillo
Tu revuelta es tu canción
Tu frontera es mi pasillo
Tu ciudad una prisión
Cada cual con su ladrillo
Nuestro canto es construcción


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