Raul Ellwanger
Esta canção nunca foi gravada, sem sei se o será. Faço aqui seu registro para que não se perca definitivamente nas areias do tempo, da clandestinidade e do olvido. Criada de maneira absolutamente despretensiosa, entre 1968 e 1969, foi cantada a meia voz junto a vários companheiros, nas noites de vigília, susto e espera dos grupos secretos que conspiravam contra o regime militar. Há uma coleção ainda inédita de poemas, músicas e paródias de muitos autores, nascidas na clandestinidade, no exílio e nas prisões, que merece resgate para mostrar o lado pessoal, comum e humano dos opositores políticos, além daquele compromisso ideológico mais solene, formal e coletivo.
Adeus, morena é um típico xote, com duas pequenas partes que se repetem a cada turno, com harmonia e melodia bem previsíveis. Canção para ser cantada de imediato, bem popular. Assim foi. Seu assunto mostra os sonhos democráticos e de justiça dos agrupamentos clandestinos, seus sentimentos libertários, sua crença no caminho revolucionário para salvar nosso país das botas da opressão.
Eu havia esquecido dos detalhes dos versos da música, mas a memória prodigiosa do goiano Rafton Leão (companheiro de clandestinidade, exílio, violão e boteco) a trouxe inteirinha de volta, e assim pudemos reconstituir algo de nossas lembranças. Marcante para mim é recordar um trio que a entoava com garra, na madrugada de alguma serra perdida, fazendo vozes primeiras e segundas. Com nomes secretos ditados pela compartimentação de segurança, tratando de dissimular nossas identidades e origens, soavam entretanto sem ocultação possível os sotaques baiano, goiano e riograndense dos cantores, isto porque o terceiro vocalista era Zequinha Barreto, que depois veio a ser assassinado junto com Carlos Lamarca.
Adeus, morena
Raul Ellwanger
Adeus compadre eu vou partir pra serra
Vou lutar na guerra da libertação
Adeus morena eu vou subir a serra
pra livrar a terra da exploração
Eu vou na pista de dois ordinários
o capitalista e o latifundiário
Contra a injustiça destes dois “patrão”
eu trago a justiça da revolução
Adeus compadre eu vou partir pra serra
Vou lutar na guerra da libertação
Adeus morena eu vou subir a serra
pra livrar a terra da exploração
E se algum dia aparecer de volta
trago junto a escolta de fuzil na mão
pra libertar o solo brasileiro
tem um povo inteiro e muita munição.
Adeus compadre eu vou partir pra serra
Vou lutar na guerra da libertação
Adeus morena eu vou subir a serra
pra livrar a terra da exploração