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7 de novembro de 2017
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15:53

A Revolução Russa

Por
Sul 21
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A Revolução Russa
A Revolução Russa

Paulo Timm

Estava há semanas pensando em escrever sobre a Revolução Russa, que neste mês celebra seu centenário. Aproveito o programa Painel, que tratou do tema com a presença de Afonso Romano, Prof. De Ética da UNICAMP, Luiz Felipe Pondé, Filósofo e Luiz Sergio Henriques , Sociólogo, editor do site Gramsci no Brasil, uma rara presença à esquerda. Antes, porém, de entrar no comentário do Programa três observações preliminares:

  1. A maior importância da Revolução Russa é que ela inseriu-se numa Era de Revoluções quando tais revoluções eram perfeitamente compreendidas como um empreendimento humano indispensável à confecção do futuro nos marcos do Iluminismo. Esta Filosofia e não só a ação política radical jacobinista ou leninista estimulava a destruição do ancien régime “em benefício da modernidade”, tal como assinalam Michel Lowy e João Carlos Brum Torres:

Semelhante fenômeno não mais se esquece na história da humanidade. […] Ainda que a revolução viesse por fim a fracassar […] aquela predição filosófica nada perde, apesar de tudo, da sua força. De facto, tal acontecimento é demasiado grande, demasiado entretecido com o interesse da humanidade e, segundo a sua influência, demasiado propalado no mundo em todas as suas partes para, entre os povos, não ter de ser despertado na memória e na repetição de novos intentos desta índole, em qualquer ocasião de circunstâncias favoráveis.

Seria este um comentário filosófico sobre a Revolução Russa, escrito em 1998? Não exatamente. As palavras acima são de Imannuel Kant, escrevendo sobre a Revolução Francesa em sua obra O conflito das faculdades, de 1798! Mas meu amigo Daniel Bensaïd costumava citar ela em discussões sobre o significado histórico de Outubro de 1917″. Apud Michel Lowi – in O significado de outubro de 1917

“Em O Conflito das Faculdades, depois de perguntar Se estará o gênero humano em constante progresso para o melhor , Kant acrescenta que só se poderá responder positivamente a essa interrogação se a experiência nos apresentar ‘um acontecimento que aponte’, ainda que ‘de modo indeterminado quanto ao tempo’, nossa ‘aptidão para sermos causa do progresso’, permitindo, assim, ‘inferir a progressão para o melhor (….).’ Um tal acontecimento, acrescenta Kant, deverá ser tido então ‘como signo histórico’, um signum rememorativum, demonstrativum, prognostikon” João Carlos Brum Torres in “As eleições americanas de 2016 como sinal histórico”, Setembro de 2016

  1. A Revolução Russa de outubro de 1917 não se compara à Revolução Francesa de 1789, esta muito mais sangrenta e impetuosa, em termos de espontaneidade popular – a ponto de se dizer que os rios francesas avermelharam-se – no combate a um regime que embora historicamente decadente era estável, enquanto o assalto ao Poder pelos bolcheviques, nos “Dez dias que abalaram o mundo”, foi uma ação tática rápida, bem articulada, com relativamente poucas vítimas, vista com cautela por parte da social-democracia europeia da qual emergiram os comunistas russos.
  2. A excepcionalidade da Revolução Russa acabou, não obstante, consagrando em escala mundial , graças ao princípio da defesa do internacionalismo proletário, uma versão do marxismo baseada em três pontos: Organização do Partido como consciência e  vanguarda da classe trabalhadora, uma teoria do assalto ao poder e um modelo de edificação do socialismo como expropriação dos expropriadores e estatização geral da economia, da sociedade e da política.

Vamos, pois, ao Programa.

A indagação inicial posta por William Waack na tentativa de compreender melhor a força das ideias: Os Partidos conseguem realizar utopias sociais e políticas?

Romano admite que sim. Isso seria até necessário. Pondé, como sempre, tergiversou, recorrendo a argumentos ordinários, não obstante tenha acertado ao perceber a crença na Revolução Russa como fascinante epifania revolucionária, similar à chegada dos judeus à Terra da Promissão. Para ele, a Política, com isso, toma o lugar da graça. Luiz Henrique, mais diligente e à esquerda, justifica a ideologia como uma maiêutica através da qual uma sociedade chega a determinado consenso sobre alguma ideia força, mas lembra a condenação de Gramsci à estadolatria. Advoga a Política não como potência mas como vontade coletiva de interação da sociedade civil.

Waack insiste em duas questão: O uso da violência e a paixão pelo Estado.

Romano responde afirmando que discorda da Ideia da Política como Religião. Lembra o fato de que a Revolução Russa se segue a um conjunto de revoluções nos séculos imediatamente anteriores, justamente como quebra da religião. Não percebe, na verdade, o significado mítico da substituição de Deus pelo Estado, como consequência do assassinato de Deus pelo iluminismo, destacado por Nietzche:

O iluminismo matou Deus mas deixou seu cadáver insepulto.

O pior nem foi que a esquerda, diante disso foi lá, ressucitou Deus e deu-lhe o nome de Estado, com vistas à salvação dos homens na terra, mas que acabou associando isso ao culto do Estado o culto da personalidade e às piores formas de sua gestão.

Pondé enfatiza a distorção entre fatos concretos e leitura da realidade, presente na preservação do cadáver de Lênin, até hoje,  na Praça Vermelha, em Moscou, levando o fanatismo a atravessar a Política como atravessa a Religião, na adoração de relíquias da causa em jogo. Para ele há uma diferença fundamental entre as Revoluções Francesa e Russa e as revoluções Inglesa e Americana, que repousaram sobre questões práticas e não imaginárias sobre a natureza do homem e da sociedade. Lamentavelmente, faltou-lhe o senso de oportunidade para evidenciar a diferença fundamental entre o espírito anglo-saxão e latino e que se reflete na diferença entre a Filosofia daqueles, que explica o mundo, indagando-se como(?), enquanto a dos franceses, tenta interpretá-lo, perguntando-se por quê(?), ainda que à luz da máxima cartesiana “Penso, logo existo”.

Henriques destaca as utopias regressivas da esquerda brasileira: a dificuldade da de se livrar dos mitos seja da doutrina marxista, seja da Guerra Fria, como a defesa de Guevara, da Revolução Russa e da Venezuela bolivariana. Há uma dissonância, diz ele, entre o discurso lulopetista e a riqueza da experiência brasileira. Para ele, o pior desta regressão é a emergência de uma ultra direita furibunda. Faltou-lhe, no caso, lembrar que o petismo foi muito mais o fruto da emergência da Teologia da Libertação, como prática política dos loucos por justiça, do que propriamente dos herdeiros do marxismo-leninismo brasileiro.

Romano discordou, lembrando que a extrema direita sempre existiu. E que também sempre existiu um certo jesuitismo – religioso e fanático -na formação dos quadros do antigo PCB, sujeitos à hierarquia, disciplina e muita leitura, o que foi verdade, mas mitigado por aquilo que Henriques lembra como a “lição de 1935”.

Waack indaga, então: como ideologias regressivas levam a regime repulsivos?

Henriques responde de uma maneira inédita: Os Partidos deram certo onde não chegaram ao Poder, porque se dedicaram a arrumar o quarto, antes de salvar seus povos ou a Humanidade. Citou, a propósito, a de aliança de comunistas com liberais antes de 64, o caso brasileiro, como Luiz Inacio Maranhão Filho, do RN, interlocutor de. D.Evaristo Arns  e com o MDB, de Ulysses Guimarães na redemocratização.

Finalizando, ao responder como 2018 responderá às utopias regressivas de direita e de esquerda, todos concordaram, enfim, que, tendo em vista as pesquisas eleitorais, corremos grandes riscos de voltar a recair em seu canto de triste memória.

***

Paulo Timm é economista, pós-graduado CEPAL/ESCOLATINA – Prof. aposentado da UnB . Fundador do PDT. 


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