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9 de julho de 2017
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12:49

O G20 diante dos dilemas da globalização: bem vindos ao inferno

Por
Sul 21
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O G20 diante dos dilemas da globalização: bem vindos ao inferno
O G20 diante dos dilemas da globalização: bem vindos ao inferno
A chanceler Angela Merkel conversando com as forças de segurança do G20 (ao lado de Olaf Scholz, primeiro prefeito de Hamburgo).Foto: Bundesregierung/Kugler

Paulo Timm

But what does it actually mean? That’s a tough one to answer, simply because it signifies different things to different people, as Manfred Steger explains in his widely read introduction to the topic. “Globalization has been variously used in both popular and academic literature to describe a process, a condition, a system, a force, and an age.”

Globalização em 3 min segundo Joseph Stiglitz

A Doutrina do Choque e o Neoliberalismo

O Forum G 20 foi constituído em 1999 numa tentativa de reunir Ministros de economia e Presidentes das 19 maiores economias do mundo, sete delas desenvolvidas, reunidas ordinariamente no G 7, mais União Europeia, o restante em desenvolvimento, dentre elas o Brasil e Argentina da América Latina e Africa do Sul da Africa, , na sequência de vários revezes econômicos da década de 1990 com vistas aos seguintes objetivos:

– Favorecimento de negociações econômicas internacionais;

– Debates sobre políticas globais para promover o desenvolvimento econômico mundial de forma sustentável;

– Discussão de regras comuns para a flexibilização do mercado de trabalho;

– Criação de mecanismos voltados para a desregulamentação econômica;

– Criação de formas para liberação do comércio mundial.

Dani Rodrik, famoso economista turco de renome internacional, costuma dizer que o G 20 responde, na verdade, à duas imposições: a primeira e mais importante, que os países em desenvolvimento já não podem se excluídos das negociações globais; a segunda, que a economia global tornou-se tão íntima a cada país que já não há como deixar de concertar políticas globais. (Rodrik – The G20’s Misguided Globalism)

Neste ano o G 20 se reúne em Hamburgo, antigo porto da Alemanha, de onde saíam no século XIX as embarcações que trariam milhões de imigrantes para o Novo Mundo. Verdadeiro alívio para vários países da Europa. Em 25 de julho de 1824 chegaram à Lomba Grande, no Rio Grande do Sul, os 32 primeiros colonos que dariam início à colonização alemã naquele estado do Brasil, dentre eles meus tatataravô Heimrich Timm e sua esposa Margarida. Lamentavelmente, segundo registro do meu filho, que esteve recentemente em Hamburgo, o Museu da Imigração da cidade desconhece o fato. Só registra os que foram para os Estados Unidos. Ele registrou por escrito nosso protesto.

Isso dá uma ideia dos problemas no interior do G20 , uma mistura de países com diferentes regimes políticos, distintos níveis de desenvolvimento, contraditórios interesses, reunidos por um dia para encontrar caminhos para a paz e o desenvolvimento, todos, paradoxalmente, imantados pela filosofia produtivista do neoliberalismo. Vira um factoide, um happening, sem qualquer compromisso efetivo dos presentes com mudanças no paradigma do capitalismo contemporâneo, qual seja a de que 1% da população controla o restante 99%, mesmo em circunstâncias que demonstram números absolutos de redução da miséria e da ignorância no mundo – https://www.weforum.org/agenda/2016/07/globalization-for-the-99-can-we-make-it-work-for-all . Daí que os movimentos mundiais contestatórios deste paradigma se mobilizem para marcar presença em Hamburgo, forçando o Governo alemão à uma verdadeira operação de guerra com mais de 10 mil policiais e militares na tentativa de controlá-los. Mas lá já estão eles, marcando posição e justificando o que prometeram : “Bem vindos ao inferno!”

Na reunião deste ano não se espera nenhuma surpresa. A anfitriã, Angela Merkel vai renovar seus apelos a favor da liberação do comércio mundial, contra o terrorismo e pelo cumprimento do Acordo de Paris. Aproveitará, com o evento, para ganhar alguns pontos nas eleições gerais previstas para setembro próximo. Trump estará presente de passagem, vindo da Polônio, onde não foi bem recebido, apesar dos esforços de um Governo ultra conservador e em direção à Paris. Deixará, por certo, um rastro de mal estar na passagem por Hamburgo e será a figura predileta dos protestantes de rua. O único que anseia pelo encontro com Trump é Vladimir Putin, que espera contar com melhor boa vontade do atual presidente americano sobre o contencioso de política externa – ainda a questão da anexação da Crimeia – e do controle nuclear, do que a que tinha com Barak Obama. Ping, Presidente chinês tem a mesma expectativa sobre Trump. Ele é um digno continuador da obra de outro crook , Richard Nixon, que encantava os comunistas no comando da China pela só razão, diziam, que nele podiam confiar. Consta no anedotário que os chineses odeiam ocidentais bem intencionados e adoram os cafajestes. Devem ter suas razões confucionianas. Antonio Martins, em importante análise sobre os grandes acordos internacionais, não encorajaria esta simpatia. Para ele a China é o principal inimigo, senão de Trump, do stablisment americano:

O segundo movimento – ligado ao anterior porém mais específico – é isolar a China. Com o TTIP, Washington reforça sua aliança secular com a Europa Ocidental. Mas tanto TTP quanto TiSA visam reforçar o objetivo geopolítico e militar central acalentado pelos EUA nos últimos anos. Implica deslocar-se do Oriente Médio para a Ásia, onde, consideram os estrategistas norte-americanos, vai se dar a disputa crucial pela hegemonia planetária no século XXI.

Antonio Martinshttp://revistasera.info/exodos-da-globalizacao-editorial/

Este autor, aliás, também comunga da ideia de que o que está em curso não é senão a consolidação de um ultra capitalismo radical, em nome do livre comércio.

Esperemos, pois…

Nosso Presidente Temer, lá estará, tão isolado como está aqui no Planalto. Não tem qualquer familiaridade com a agenda internacional. Duvida-se que fale um inglês respeitável. Tentará passar a ideia de normalidade institucional e de seu Governo no Brasil. Tempo perdido. Corre o risco de novos ridículos. O mundo está tão ligado no Brasil que o ingresso de dólares que vinha caminhando bem nos últimos meses, caiu mais da metade em junho. Por sorte ninguém notou porque as exportações deram um resultado compensatório. Mas o futuro preocupa.

De resto, nada “acontecimental”, no dizer de S.Zizek, ocorrerá no G 20 de Hamburgo, incidentes à parte. Todos voltarão para seus países de origem com belas fotos para a posteridade.

O mundo continuará igual, no rumo de uma globalização desconcertada e desconcertante, mas que não se deixa abalar por qualquer plano alternativo. O grito das ruas não ecoa nas multidões como outrora, clamando por rupturas radicais que antes emocionavam e levavam à mudanças de paradigma. Não obstante, nunca as necessitamos tanto como hoje. Por muito menos ocorreram revoluções sangrentas no século passado. Mas dir-se-á que também havia guerras mundiais que consumiram mais de 100 milhões de almas. Não quereríamos mais nem guerras nem revoluções…

Seria, então, isso o curso da civilização: o congelamento da História condenada a mourejar, sem saídas, nas ruínas de um sistema econômico incapaz de se renovar ? Com efeito, o sistema capitalista envelheceu e perdeu seu dinamismo produtivo bem assinalado por Karl Marx no Manifesto Comunista de 1848. Naquela época vivia o auge vitoriano da Pax Inglesa, cruel, colonialista e autoritário, mas contraditoriamente revolucionário. Constitui a primeira globalização do mundo moderno, estendendo sua articulação para o escoamento de mercadorias sobre ferrovias e longas rotas marítimas movidas à vapor. Ruiu entre 1914 e 1945 transferindo o comando da nova regulação global aos Estados Unidos no big stick da Pax Americana.

Este país conseguiu retomar por um bom tempo, talvez até 1970,o dinamismo produtivo do sistema redesenhando o cenário internacional com a descolonização e abertura de mercados para seus grandes conglomerados industriais, tudo sob o arco de poderosas instituições controladas por Washington. Desde então, vem tropeçando em suas próprias entranhas, dentre elas o deslocamento do processo de acumulação de capital para o sistema financeiro, impulsionado pelo duplo processo de expansão do crédito ao consumo associado à emergência de grandes fundos de liquidez. Esta nova arquitetura da globalização se reforçou no marco histórico da queda do muro de Berlim em 1989, ao que se seguiria o desmoronamento da União Soviética, trazendo à tona o reforço da economia global em benefício do rentismo. Isso ocorreu com a consagração do conhecido Consenso de Washington, em 1989, um revival neoliberal que reformataria a globalização aos apetites financeiros, condicionando as economias nela inseridas à fortes recomendações de liberalização dos mercados, com reforço do processo de privatização de serviços públicos em benefício da austeridade fiscal.

Do que se trata? Em novembro de 1989, reuniram-se na capital dos Estados Unidos funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais ali sediados – FMI, Banco Mundial e BID – especializados em assuntos latino-americanos. O objetivo do encontro, convocado pelo Institute for International Economics, sob o título “Latin American Adjustment: How Much Has Happened?”, era proceder a uma avaliação das reformas econômicas empreendidas nos países da região. Para relatara experiência de seus países também estiveram presentes diversos economistas latino-americanos. Às conclusões dessa reunião é que se daria, subseqüentemente, a denominação informal de “Consenso de Washington”.

(Paulo Nogueira Batista in “ O Consenso de Washington: a visão neoliberal dos problema latino-americanos”) http://www.consultapopular.org.br/sites/default/files/consenso%20de%20washington.pdf

A isso seguiram-se inúmeras crises financeiras em várias partes do mundo, culminando com a que atingiu em cheio a economia americana em 2008, estendendo-se ao mundo inteiro e da qual não se vê, ainda, uma franca recuperação. A economia mundial continua vivendo sob grande tensão, com baixas taxas de crescimento e elevado desemprego, enquanto a renda se concentra cada vez mais gerando indignação social e reações políticas inusitadas, como o retorno do populismo em suas diversas versões ideológicas levando à decadência todo o sistema político ocidental. Uma boa leitura do livro “O capitalismo no século XX”, de T. Pickety, bem ilustra o drama dos nossos tempos.

Este, pois, o pano de fundo da atual do G 20 sobre o qual poucas esperanças existem quanto à sua capacidade de redefinir os parâmetros do sistema econômico mundial, ao qual vão se associando, com os mesmos critérios, até as economias do bloco remanescente da Guerra Fria, como a China, Vietname e, provavelmente, dentro de pouco tempo, Cuba. Luiz Gonzaga Belluzzo deu a esse quadro o título que emoldura um de seus mais importantes artigos, em O VALOR, set. 14, 2012: “Desordem na engrenagem da civilização”. Disso se trata:

A resposta esperançosa à Pergunta ao Futuro depende crucialmente da capacidade de mobilização democrática e radical dos Deserdados, os perdedores na liça da concorrência global. Desgraçadamente, no momento em que escrevo este artigo, os espaços de informação e de formação da consciência política e coletiva são ocupados por aparatos comprometidos com a força dos mais fortes e controlados pela hegemonia das banalidades. Desconfio que o mundo não padeça apenas sofrimentos de uma crise periódica do capitalismo, mas, sim, as dores de um desarranjo nas engrenagens que sustentam a vida civilizada, sob o olhar perplexo e impotente das vítimas.

Nem é o caso de se exigir o retorno do brado revolucionário do século XX, mas de recolocar o capitalismo nos trilhos não só do produtivismo que o consagrou, como , também, do regime democrático, hoje ameaçado pelo assalto da Política pelo poder econômico. Só este saneamento da vida pública será capaz de moldar nossa sociedade aos imperativos éticos de um mundo mais solidário e socialmente mais justo. O resto é passarela de celebridades.

(*) Paulo Timm é economista, pós-graduado CEPAL/ESCOLATINA – Prof. aposentado da UnB . Fundador do PDT.


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