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30 de maio de 2017
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10:00

Maio, 24 : Um dia para não se esquecer

Por
Sul 21
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Paulo Timm

Antecedentes do recurso à GLO-Garantia da Lei e da Ordem, segundo o Estadão :

“Histórico. Um exemplo de uso da Garantia da Lei da Ordem foi na ocupação de algumas comunidades dominadas pelo tráfico no Rio de Janeiro e no Espírito Santo, com a greve da Polícia Militar. As Forças Armadas também atuaram nos limites da GLO durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (Rio + 20), em 2012; na Copa das Confederações da FIFA e na visita do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013; na Copa do Mundo 2014 e nos Jogos Olímpicos Rio 2016.”

Manifestantes foram impedidos de chegar ao Congresso Nacional ontem: violência do governo golpista | Foto: UGT

Quando eu era menino, meados do século XX, maio era o mês das noivas. Naquele tempo era muito comum as famílias publicarem no CORREIO DO POVO anúncios de noivado e casamento. Ali constava o nome dos noivos e, não raro, os respectivos endereços. Uma das minhas tarefas, em casa, consistia em recortá-los com cuidado entregando-os á minha mãe. Ela fazia parte de uma antiga família italiana, fixada desde o fim da década de 1880 em Santa Maria – RS, de bordadeiras, cuja matriarca, Vó Romilda, pontificava numa bela e imensa casa no centro da cidade, sempre rodeada de lençóis e toalhas. Todas as filhas dela, com exceção da última, envolvidas desde muito jovens com a administração de um exército de mulheres simples, verdadeiras artistas, voltadas à produção de enxovais às futuras esposas. Eram famosos. Os mais finos, bordados em linho branco, com florzinhas miúdas delicadamente apostas sobre intrincados riscados em papel transmissor. Não raro eu passava meus fins de semana incumbido nesta árdua tarefa que exigia olhos de lince e mãos firmes. Até gostava. Eram momentos de grande intimidade doméstica. E, no mês de maio, não raro, também, saía eu com uma valise abarrotada de belas prendas, anúncios à mão, a oferecer os valiosos produtos do artesanato materno. Fui um bom vendedor. E talvez, por tudo isso, tenha me apaixonado pelo outono, quando percorro extasiado as ruas arborizadas de Porto Alegre. É minha estação preferida, afinada com meu temperamento introspectivo. E com essas rememorações.

Neste ano, porém, nada tenho a celebrar no mês de maio. Contemplo-o com preocupação, sobretudo quando ponho os olhos nos acontecimentos do dia 24. Já não há noivas, foi-se minha mãe com seus bordados há muitos anos – enxovais…?! – e minha juventude está tão distante que só lhe ouço os ecos perdidos no tempo. O mundo mudou muito. Tudo corre muito rápido mal dando tempo de se saber onde estamos. Mas não deixarei passar o dia 24 sem registro. Registro trágico de um país que mal reconheço. Um país à beira do caos.

O cenário, todos conhecemos. Uma grave crise política, econômica e moral, com 14 milhões de desempregados na rua da amargura e o desenrolar fúnebre de um Governo que ainda tentou no último dia 12 justificar a que veio, há um ano. Tudo em vão. Poucos dias depois tudo mergulha nas sombras de delações e provas inequívocas de envolvimento das mais altas autoridades em conluios execráveis com o mundo dos negócios escusos. O país mergulha na incerteza. O dólar sobe, a Bolsa cai, os políticos tentam se explicar, o Presidente Temer expira, sem que se saiba ao certo o que lhe sucederá. Ruído por todos os lados. Ódios por todos os cantos.

Na capital do país, uma significativa marcha convocada pelas centrais sindicais desfila pela Esplanada dos Ministérios exigindo a renúncia do Presidente e o cancelamento das Reformas Trabalhista e da Previdência. Trata-se de um clamor legítimo e justo que ressoa no interior do Congresso inviabilizando os trabalhos parlamentares. Momentos tensos. O governo tenta afirmar a normalidade da conjuntura e não escuta os anseios populares. Os ânimos se exaltam e a manifestação se transformou em praça de guerra, levando, ao final do dia, a que o Presidente Temer, passando por cima do Governador do Distrito Federal, recorresse às Forças Armadas. Tal medida, além de indigesta á memória nacional, precavida por tantas intervenções militares no passado, incomodou o Presidente da Câmara dos Deputados, pela atribuição à seu suposto pedido e surpreendeu especialistas em Direito Constitucional, como Eloísa Machado de Almeida, da FGV que a qualificou como extravagante e atentatória à democracia, poir a Constituição estabelece de maneira muito clara o que é defesa nacional e o que é segurança pública. Rodrigo Rollemberg, Governador do Distrito Federal também expediu Nota condenando a intervenção federal.

O protesto organizado por centrais sindicais e movimentos sociais contra as reformas previdenciária e trabalhista, pela saída do presidente Michel Temer e por eleições diretas transformou a Esplanada dos Ministérios, em Brasília, em um palco de batalha com a Polícia Militar e a Força Nacional nesta quarta (24).

Policiais militares deram tiros com armas letais na direção dos manifestantes. A Secretaria de Segurança do Distrito Federal informou que abrirá inquérito para investigá-los. “Esse procedimento não é o adotado”, afirmou.

Oito ministérios depredados, dois incendiados e 49 feridos –entre eles um manifestante baleado, um estudante de Santa Catarina que teve a mão decepada por um rojão e oito policiais– são alguns dos números do ato, que reuniu 45 mil pessoas, segundo a PM, ou 150 mil, de acordo com organizadores.”

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, outra manifestação de violência urbana, desta vez provocado pelo aumento da Taxa Previdenciária sobre os salários de funcionários Publicos, de 11% para 14%, no bojo do Plano de Austeridade apresentado pelo Governo em sintonia com as diretrizes do Governo Federal. Esta manifestação reitera os acontecimentos da última sexta feira, dia 19, que deixaram inúmeros feridos – http://g1.globo.com/rio-de-janeiro/noticia/manifestantes-bloqueiam-vias-no-centro-do-rio-na-tarde-desta-sexta-feira.ghtml . O Estado do Rio, depois dos espetaculosos eventos esportivos internacionais entrou em colapso. Colapso financeiro atestado pela decretação de Estado de Calamidade Financeira até 2018. Estado de calamidade social, pelo alto nível de desemprego e pobreza num conglomerado superior a dez milhões de pessoas. Colapso político, com a prisão de seu outrora esfuziante Governador Sergio Cabral, PMDB, preso, sob o peso de oito cabeludos processos de corrupção, além do inidiciamento do seu ex vice hoje Governador Pezão. Colapso da segurança pública, com o fracasso da Política de pacificação dos morros e sua retomada pelas hordas super armadas do tráfico. Colapso, enfim, que, nas palavras de um analista, José Carlos de Assis, deixa a cidade às portas de uma insurreição. Colapso moral…

Materializaram-se no centro do Rio os primeiros sinais da grande convulsão social que vem sendo anunciada por cientistas políticos e economistas, inclusive por mim, como consequência da crise econômica e política sem precedentes em que estamos mergulhados. Presenciamos a consequência direta do aumento do desemprego, da contração da economia por três anos seguidos, do estrangulamento dos serviços públicos estaduais, da ação inexperiente e estúpida da Lava Jato que não conseguiu separar empresários de empresas levando virtualmente à bancarrota cadeias produtivas de centenas de empresas.

http://jornalggn.com.br/noticia/rio-da-o-primeiro-sinal-concreto-de-convulsao-social-no-brasil-por-j-carlos-de-assis QUA, 24/05/2017 –

De outra parte, no interior do Pará, outra chacina de trabalhadores rurais reeditando a tragédia de Colnizia, no mesmo Estado, há algumas poucas semanas. É o lado rural da violência que toma conta do Brasil. Relatório “Conflitos no Campo Brasil 2016″, lançado pela Comissão Pastoral da Terra, revela que o Brasil registrou 1536 conflitos relacionados a terra, trabalho e água, em 2016, 26,2% a mais do que em 2015. Os assassinatos também aumentaram: de 50 em 2015, para 61 em 2016, e os conflitos relacionados exclusivamente à terras ocupadas por indígenas, camponeses e quilombolas somam 1295 e envolvem 687 mil camponeses.

Dez trabalhadores rurais – nove homens e uma mulher – foram mortos na quarta-feira 24 durante ação de despejo realizada por policiais do estado do Pará. A chacina teria ocorrido no interior da fazenda Santa Lúcia, no município de Pau D’Arco, na região de Redenção, Sudeste do Pará, a 860 quilômetros da capital Belém.

Segundo informações da imprensa da região, policiais militares e civis foram até a fazenda para cumprir 20 prisões de mandado de prisão. A operação policial foi liderada pela Delegacia de Conflitos Agrários em Redenção (DECA), com apoio de policiais de Redenção, Conceição do Araguaia e Xinguara. As identidades não foram reveladas e nenhum suspeito das mortes foi preso até agora.

Enquanto a CPT afirma que tratava-se de uma ação de despejo, a Secretaria Estadual de Segurança Pública do Pará afirmou que os policiais estavam cumprindo mandados de prisão de suspeitos de terem matado um segurança da fazenda Santa Lúcia.

E como se não bastasse, assistimos na cidade de São Paulo a sequência de mais um factóide do seu novo Prefeito, João Dória, um janota imbuído das mais espúrias percepções sobre o fenômeno de uma de suas chagas urbanas mais complexas, a “Cracolândia”, apoiado pelo Governo do Estado: uma blitz digna da “Noite dos Cristais” em Berlim, em 1938. Sem qualquer plano fundamentado sobre órgãos técnicos da Prefeitura, senão da consciência profissional e ética do país, leva consigo retroescavadeiras demolidoras de pensões e residências, provocando um caos pior ainda do que a presença dos drogados. A tal ponto que leva sua Secretária de Direitos Humanos, Vereadora Patricia Bezarra – PSDB – a se pronunciar veementemente contra tamanha improvisão, que qualificou como “ação desastrosa”, vindo a se demitir logo depois. Idêntica condenação foi feita pelo Ministérios Público que promete acionar judicialmente o Prefeito João Dória. Oxalá!

Em nota oficial, divulgada pelo portal G1, Patrícia se dirige diretamente ao prefeito João Doria para explicar o porquê de sua saída. “Sr. Prefeito, diante das dificuldades que tenho enfrentado há algum tempo para dar prosseguimento à agenda de direitos humanos e ao atendimento humanizado à população mais vulnerável de São Paulo, deixo o cargo, mas nunca a convicção em uma cidade que garanta o respeito à pessoa humana”, afirmou.

No domingo, as polícias Civil e Militar de São Paulo prenderam 53 pessoas em operação realizada na Cracolândia. Foram apreendidos quase R$ 50 mil em espécie, duas máquinas de cartão de crédito, 12 quilos de crack e quantidades menores de outras drogas. Agentes da prefeitura determinaram que alguns imóveis fossem lacrados. No entanto, alguns usuários já circulavam na região no dia seguinte. Na terça-feira, três pessoas ficaram feridas após a demolição de um dos prédios da região. O prefeito pediu à Justiça que facilitasse o processo de internação compulsória de usuários de drogas, mas a Defensoria Pública conseguiu liminar proibindo remoções de pessoas e interdição e demolições da área da Cracolândia.

Leia mais: https://oglobo.globo.com/brasil/secretaria-de-direitos-humanos-de-sp-se-demite-apos-acao-desastrosa-na-cracolandia-21391046#ixzz4i5svC8sz

Ahhh, mês de maio…! Estou desolado! “Devastado”…

Como eram dourados e bordados meus outonos…


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