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8 de dezembro de 2017
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10:19

Governos e desgovernos da Capital

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Sul 21
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Governos e desgovernos da Capital
Governos e desgovernos da Capital
“Findo o ciclo Fo-Fo a gente imaginava que nada de pior poderia acontecer na futura gestão da cidade. Mas aconteceu”. (Foto: Maia Rubim/Sul21)

 Paulo Muzell (*)

Há pouco mais de trinta anos, em 1985, o porto-alegrense pode, finalmente, eleger seu primeiro prefeito através do voto. Vivíamos um momento de grandes expectativas e esperanças.

Alceu Collares assumiu em 1986 para governar por apenas três anos. Ele decepcionou, infelizmente: agravou a crise das finanças, o que resultou no sucateamento dos serviços municipais: coleta do lixo, transporte público, saúde, assistência social pioraram. A SMAM, que havia sido recentemente criada, foi sucateada. A exceção foi a educação: Collares concentrou os investimentos na rede de ensino municipal e elaborou um plano de carreira para o magistério que assegurou uma remuneração digna para os professores. Em compensação arrochou os salários do restante do funcionalismo e, no apagar das luzes, aprovou lei concedendo régios reajustes a serem pagos pelo futuro governo. Oportunismo populista descarado.

Olívio Dutra assumiu em 1989 enfrentando uma série crise financeira. A pesada folha salarial “herdada” do governo anterior consumiu no primeiro ano 98% da receita municipal, mas os salários foram honrados, pagos em dia. Uma reforma fiscal recuperou a receita, possibilitando uma rápida recuperação do investimento. O destino dos recursos deixou de ser decidido em gabinetes, começando a passar pela “peneira” do Orçamento Participativo (OP). A participação popular foi uma marca do governo Olívio e dos três governos seguintes. O ciclo petista durou dezesseis anos (1989/2004), marcado por grandes obras e investimentos na periferia.

Um importante avanço foi a criação do Previmpa, uma autarquia que vai assegurar através de um fundo de capitalização o pagamento das aposentadorias futuras, desonerando paulatinamente os encargos do atual regime de Repartição Simples. Com a sua criação a Prefeitura garantiu o equilíbrio de suas finanças nas próximas décadas. O OP e o Fórum Social colocaram Porto Alegre no mapa mundial. Quem não for coxinha doente, tiver 40 anos ou mais, e não sofrer de Alzheimer, deve estar sentindo saudades dos governos petistas na capital.

O ano de 2004 marcou o fim do ciclo petista. Uma forte coligação de centro-direita, liderada pelo PPS, PMDB, PDT e PTB elegeu José Fogaça prefeito da capital. Esta coligação reelegeu Fogaça em 2008 e José Fortunati em 2012. Os governos Fogaça-Fortunati, chamados de “ciclo Fo-Fo” estão, certamente, dentre as piores gestões da Prefeitura nas últimas décadas. Obras iniciadas sem projeto final de engenharia, atrasadas e depois paralisadas, projetos abandonados (o Bus Rapid Transit, BRT) marcaram esse período de governo. Houve denúncias de ilicitudes e de desvios em praticamente todas secretarias e órgãos da Prefeitura – na Procempa, um dirigente da empresa ao receber uma “visita” da Polícia Federal atirou uma mala de dinheiro pela janela! No DMLU, na Fazenda (irregularidades na contratação do Sistema Integrado de Administração Tributária, o SIAT), no DEP, na Carris, na FASC, na SMAM, na SMED/Convênio Ronaldinho Gaúcho). Findo o ciclo Fo-Fo a gente imaginava que nada de pior poderia acontecer na futura gestão da cidade. Mas aconteceu: num momento de ascensão da direita e de grande desilusão e descrença da política ocorreu o que parecia impossível: Nelson Marchezan (PSDB) elegeu-se prefeito da capital. Como em seguida se viu, nada podia ser pior.

Sua eleição ocorreu num momento de agudo descrédito da política e do PT, vitimados por um verdadeiro massacre promovido desde 2005 pela Globo e pelo poder Judiciário. No segundo turno, Marchezan obteve 402 mil votos, apenas 37% do universo dos votantes inscritos. Quase dois terços do eleitorado, 700 mil porto-alegrenses não compareceram, anularam ou não escolheram candidato (voto em branco).

Antes mesmo de assumir Marchezan Júnior começou a botar os pés pelas mãos. Após os primeiros contatos das equipes de transição começou a atirar com chumbo grosso: anunciou que encontrava uma Prefeitura quebrada. Chegou ao exagero de dizer que a situação das finanças municipais era tão grave quanto a do Estado, uma grande bobagem: a Fazenda Estadual tem uma dívida onze vezes maior e paga quatro vezes mais juros do que a Prefeitura, levando-se em conta suas respectivas receitas.

O Júnior tentou impedir, sem sucesso, que José Fortunati, o prefeito em exercício, antecipasse para dezembro o pagamento do IPTU e assim obtivesse os recursos para pagar em dia o 13º do funcionalismo.

Neste final do seu primeiro ano de governo Marchezan Júnior ficou absolutamente claro sua total inaptidão para o exercício do cargo. As ruas e avenidas estão esburacadas, o transporte público é caro e de péssima qualidade, as praças e parques estão abandonados, o sistema de semáforos é precário, funciona mal, a iluminação que já era deficiente, piorou. Júnior passou todo ano de 2017 brigando com o funcionalismo municipal: negou-se a pagar a reposição da inflação do dissídio de maio, garantida por lei, aumentou a contribuição previdenciária do servidor e tenta aprovar vários projetos de lei que mutilam o plano de carreira suprimindo direitos históricos dos servidores.

A partir de junho, alegando insuficiência de recursos, começou a parcelar o pagamento dos salários. Alegação falsa: o Tribunal de Contas (TCE/RS) em auditoria realizada demonstrou que nos meses de junho e julho as disponibilidades no caixa eram suficientes para pagar em dia. Se acessarmos a execução da despesa no site da Fazenda Municipal (Portal da Prefeitura) constatamos que ao longo deste mês de novembro a Prefeitura pagou 154 milhões a fornecedores e prestadores de serviços zerando propositadamente o caixa para reduzir as disponibilidades no último dia útil do mês e alegar falta recursos para pagar em dia. Ele não gosta de pagar salários, dá prioridade aos fornecedores e empreiteiros.

É fácil concluir que Marchezan Júnior não começou a administrar a cidade. Isso em si já seria ruim, porém na verdade trata-se de algo muito pior. Não há nenhuma dúvida de que não tem as mínimas condições para o exercício do cargo. Falta-lhe equilíbrio emocional, capacidade de trabalhar em equipe, de negociação, de diálogo. Ele não negocia, impõe. Não dialoga, ofende. É autoritário, arrogante, em apenas onze meses rompeu e afastou dezoito membros do primeiro escalão e assessores diretos. Ele não consegue entender que o exercício da política exige um mínimo de civilidade, que o adversário não é uma “erva daninha a ser extirpada”.

Uma palavrinha final sobre o projeto de lei orçamentária de 2018 (a LOA/2018) que tramita no legislativo municipal. É, certamente, a pior e mais inconsistente peça orçamentária elaborada pela Prefeitura nas últimas quatro ou cinco décadas. Subestima receitas, superestima despesas o que resulta num déficit orçamentário astronômico de 708 milhões de reais. Há, aqui a clara intenção de justificar o parcelamento, arrocho salarial e a supressão de direitos do funcionalismo. Depois propõe despesas de investimentos num montante de 440 milhões de reais, o dobro do que foi investido em 2016 e o triplo do que foi investido este ano. Pergunta-se: como triplicar o volume de investimentos com uma previsão de um déficit de 708 milhões? Por fim o projeto prevê uma reserva de contingência de 325 milhões de reais.

Trocando em miúdos: o Executivo pede ao Legislativo uma autorização de despesa neste elevado montante sem que fique discriminado onde o recurso será gasto. Um cheque “em branco” de 325 milhões para o governo gastar onde melhor lhe aprouver. Com um detalhe, como aprovar esta “gastança”, não se sabe no quê, se existe a previsão de uma “faltança” de 708 milhões?

(*) Paulo Muzell é economista.

 

 

 

 

 

 


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