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24 de novembro de 2017
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10:15

Ecos do fascismo

Por
Sul 21
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Ives Gandra estudou, estudou, mas não conseguiu ou não quis aprender. (Arquivo/Agência Brasil)

 Paulo Muzell

O título deste artigo poderia ser, também, “Lamúrias da Casa Grande”, confirmando o que Mino Carta sempre disse, que a oligarquia brasileira até hoje não superou o “trauma da abolição”.

Desde o final dos anos oitenta, após a promulgação da Constituição de 1988, eles remoeram sua inconformidade, insatisfeitos com os ventos que sopravam a favor da afirmação dos direitos humanos e da cidadania.

A crise política de 2015, que resultou no golpe que derrubou Dilma em 2016, os fez renascer. Passaram a ter coragem de expressar, sem nenhum pudor, o atávico desprezo e o ódio que têm dos excluídos: negros, índios, sem terras e sem teto. Odeiam, também, aqueles que ousaram pegar em armas contra a ditadura militar que apoiaram e tanto amaram.

Ives Gandra Silva Martins, um renomado jurista de São Paulo, traduziu sua inconformidade com o que ele chamou de a “tirania do politicamente correto” que o país vivia no final do ciclo petista. Em artigo escrito em 2013 e republicado pelo Estadão no dia 16 de novembro passado ele teve a coragem de escrever: “Meu nome é Ives Gandra Silva Martins, não sou nem negro, nem homossexual, nem índio, nem assaltante de bancos, nem guerrilheiro, nem invasor de terras, como posso viver no Brasil nos dias de hoje? Na verdade, sou branco, honesto, professor, advogado, hétero, contribuinte e tudo isso para quê” E segue: …”no Brasil de hoje o cidadão comum e branco é agressivamente discriminado pelo governo e pela legislação infraconstitucional a favor de índios, negros, homossexuais ao se declararem submetidos a possíveis preconceitos”.

Ives Gandra segue desancando o governo pelos absurdos privilégios concedidos aos índios (doação de terras); aos negros que com suas quotas usurpam as vagas dos brancos nas universidades; aos homossexuais, que, além de beneficiados com dinheiro público, ainda passam a ter o direito de casar legalmente. Lamenta a “tolerância em relação aos invasores de terras que destroem, matam”, afrontando o sagrado direito à propriedade. Ainda não satisfeito, conclui:..” eu branco, sou discriminado, perco espaço”. Já os “coitadinhos”, os “excluídos”, beneficiados pelo governo “ganham espaço para constituir novas castas”.

É quase inacreditável que uma pessoa, que a gente supõe que esteja na plena posse de suas faculdades mentais, possa afirmar tais disparates. Ives é um professor universitário com o título de doutorado, sem falar na longa lista de comendas e honrarias recebidas que engordam o seu encorpado currículo. Ele estudou, estudou, mas não conseguiu ou não quis aprender. Na verdade, ele é um daqueles “intelectuais” aclamados pela oligarquia brasileira, um “brucutu” pré-renascentista há séculos distante das luzes do Iluminismo.

Gandra representa o que de pior existe na política brasileira. É um porta voz dos “coxinhas”, do Movimento Brasil Livre (o MBL), daqueles que bateram panelas pedindo a saída de uma presidenta eleita, que apoiaram um golpe que desmoralizou as instituições do país, colocando no poder Temer e sua quadrilha, o pior do pior da atrasada oligarquia brasileira.

Seu artigo revela o desconforto que sentia – ele, o MBL, os “coxinhas” – com a visão dos aeroportos cheios, negros frequentando faculdades federais, homossexuais garantindo seus direitos, os muito pobres recebendo o bolsa família e tendo o que comer. Tudo isso era inaceitável: viam “vagabundos” recebendo sem trabalhar, a ralé viajando de avião, trabalhadores recebendo mais para trabalhar menos, gozando de absurdas regalias – férias, 13°, horas extras, licença maternidade -, além do absurdo de se aposentar cedo. Tudo isso tinha que acabar. E eles deram o golpe para fazer isto.

Por falar em “coxinhas” e no MBL, o prefeito Marchezan se afunda cada vez mais. Alega que a Prefeitura está quebrada e vai para Paris, de férias com uma alentada comitiva e gasta quase oitenta mil reais. Em discurso proferido em São Paulo, num congresso do MBL botou os pés pelas mãos. Ele, que já havia dito que os vereadores eram covardes ao não conseguir aprovar um projeto na Câmara Municipal, desta vez se excedeu, chamou-os de “cagões”. A reação foi imediata: inflamados discursos de protesto foram proferidos na Câmara de Porto Alegre. Dezessete vereadores assinaram requerimento convocando o Prefeito: exigem explicações. A cada dia que passa Marchezan aumenta seu desgaste, que já é enorme. Não tem o equilíbrio emocional que exercício do cargo requer. Tudo indica que não vai conseguir concluir seus quatro anos de governo.


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