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3 de julho de 2015
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17:00

Nepotismo

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Nepotismo
Nepotismo

Por Paulo Muzell

Do latim nepos, nepotis, no sentido literal o vocábulo originalmente significava neto. Com o decorrer do tempo seu sentido foi ampliado para “descendente”.

Na verdade, tudo começou há muitos séculos e séculos: o vocábulo se referia às relações do papa com seus poderosos sobrinhos: cardinale nepore, cardinalis nepos. Com o tempo acrescentou-se a “nepos” o sufixo “ismo” sendo “nepotismo o ato de promoção ou indicação de parente para cargo público, existindo outros candidatos mais qualificados e experientes que seriam merecedores da nomeação ou promoção”. Em suma: favorecer parente em detrimento do mérito, “furar a fila”.

No Brasil o nepotismo começou em 1500, no ano da própria descoberta: na famosa carta que Pero Vaz de Caminha enviou ao Rei D. Manuel, pediu um benefício para um genro seu. Temos aí a origem da palavra “pistolão” que vem de “epístola” (carta).

De lá para cá as práticas de nepotismo evoluíram e se diversificaram no Brasil. Observe-se, porém, que não se trata de invenção luso-brasileira, é prática universal, largamente disseminada. Napoleão Bonaparte é um clássico exemplo de nepotista: no auge de seu império coroou reis três irmãos em países ocupados por suas tropas.

A preocupação com a profissionalização dos servidores públicos brasileiros e com a transparência dos atos públicos é relativamente nova e teve grande impulso com a criação do Departamento de Administrativo do Serviço Público (DASP), em 1938. Seis anos depois, em 1944, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) iniciou suas atividades. A instituição teria, também, papel fundamental no treinamento e especialização do pessoal e na modernização do serviço público. Em 1967 tivemos um novo avanço com a entrada em vigor do Decreto Lei 200 que reorganizou a estrutura da administração pública do país. A aprovação da Constituição de 1988 representou um outro passo importante na busca da transparência: instituiu a obrigatoriedade do concurso público para o ingresso. Medida de vital importância para evitar os “trenzinhos da alegria” muito comuns até então. É verdade que o dispositivo legal reduziu muito os favorecimentos. Mas não se enganem: de quando em vez ele volta a apitar aqui ou acolá. No seu artigo 37 a nova Constituição destacou os princípios da eficiência, legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência que, em tese, devem reger todos os atos públicos.

Na busca da eficiência e na defesa da impessoalidade foram aprovados e entraram em vigor nos últimos anos três instrumentos legais que tipificam e proíbem as diversas formas de nepotismo: a Lei Complementar 97/2007, o Decreto Federal 7.203 que a regulamenta e uma Súmula Vinculante do STF (13/2008).

Apesar dos importantes avanços trazidos pela Constituição de 1988 e dos novos regramentos, o nepotismo é ainda muito presente na vida pública brasileira. Muito combatido, é “vírus” extremamente resistente, assume rapidamente formas novas. Uma verdadeira praga.

Nas prefeituras, especialmente nas pequenas e médias pode-se dizer que o nepotismo é prática contumaz, registrada com frequência pela imprensa É prefeito nomeando filho, filha no denominado “filhotismo”, o nepotismo de primeiro grau. O prefeito de Juremenha, por exemplo, exagerou: demitiu todo secretariado e designou sua filha para ocupar sete cargos! Há outros que além de nomear parentes, remuneram os cargos por eles ocupados com valores acima dos outros secretários municipais. É claro que o nepotismo não se restringe às pequenas prefeituras, ocorre em todos os poderes e em todos os níveis. É magistrado nomeando em cargo em comissão filho de deputado; tendo em contrapartida parente seu ocupando cargo de confiança no legislativo.

Há casos clássicos aqui na Prefeitura de Porto Alegre: Alceu Collares que foi prefeito no triênio 1986/88 nomeou sua esposa, Neusa Canabarro secretária municipal de educação. Não convencido dos maus resultados da experiência repetiu a dose: eleito governador em 1991, nomeou-a novamente secretária estadual de educação. Um desastre. José Fortunati é outro exemplo bem recente: em 2011 criou uma secretaria, a SEDA, de defesa dos direitos dos animais e em 2013 indicou sua esposa como secretária. Nos dois anos que antecederam a nomeação de Regina Becker para a SEDA, ela foi CC no gabinete do deputado Baségio e na bancada pedetista. Em troca, segundo denuncia do ex-chefe de gabinete de Baségio, Fortunati teria nomeado em cargos em comissão da Prefeitura duas pessoas indicadas por Baségio, uma delas sua própria nora, Samarina Isabel Stedile. Este seria um escandaloso caso de nepotismo cruzado com três fantasmas.

A nomeação de magistrados através do quinto constitucional vem dando o que falar. Tem sido frequentemente desvirtuado um dispositivo que foi criado para arejar o poder judiciário, trazendo a experiência e o olhar de advogados experientes (indicados pela OAB) e de membros do Ministério Público para integrar seus quadros. Se a seleção e a indicação dos candidatos para compor a lista tríplice não for realizada de forma transparente, considerando apenas a experiência e a qualificação profissional do candidato há o grave risco de se constituir num lamentável episódio de burla da exigência constitucional do acesso via concurso público.

Ministros dos dois tribunais superiores do país, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal Federal (STJ), justamente as instâncias últimas criadas para assegurar o cumprimento da Constituição e das leis antinepotismo do país foram protagonistas de lamentáveis episódios que caracterizam de forma clara o favorecimento. E o pior: repetiram fatos semelhantes ocorridos no passado.

O primeiro episódio teve como protagonista o ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Félix Fischer. Seu filho, Octavio Fisher se candidatou ao cargo de desembargador na justiça paranaense. Concorreu pelo quinto constitucional. Bem antes da sua escolha os jornalistas paranaenses apostavam que, graças ao currículo do pai, ele seria incluído na lista tríplice da OAB e o escolhido por Beto Richa para ocupar a vaga. Bingo! Não deu outra.

O segundo episódio é ainda mais lamentável, pois revela a diminuta estatura moral de dois ministros da mais alta corte do país. As filhas de Luiz Fux e Marco Aurélio Mello, duas advogadas jovens, inexperientes, com modesto currículo postularam vaga para o cargo de desembargadora federal no Rio de Janeiro. Não teriam a menor chance, concorrendo com profissionais de maior experiência e qualificação profissional: advogados com mestrado, doutorado, professores universitários com décadas de exercício da advocacia. Mariana Fux, de trinta e três anos teve até dificuldade de comprovar um pré-requisito necessário à candidatura: ter no mínimo dez anos de prática profissional. Apresentou uma declaração questionável, aceita pela Comissão da OAB. Fux fez campanha aberta pela filha, tornou público o apoio do então governador do Rio, Sérgio Cabral e de um ex-presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante. Letícia Mello, trinta e poucos anos, com pouca experiência e um currículo modesto também foi incluída na lista tríplice. As duas foram escolhidas e nomeadas pela Presidenta Dilma. Dizem que os ministros não ficaram nem corados. Mello, indagado sobre a suspeita do favorecimento decorrente da falta de experiência filha, respondeu com uma graça: “se o problema é a falta de experiência, o tempo corrige”. Resposta esperta, não? As duas, concluído o episódio, foram chamadas pela imprensa do centro do país, com direito a foto e tudo, de “as queridinhas do papai”.

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Paulo Muzell é economista.

 


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