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22 de agosto de 2014
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11:18

Os Montepios e a Previdência Privada (II)

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Sul 21
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Nos últimos cinqüenta anos tivemos dois ciclos de crescimento dos Montepios ou Caixa de Pecúlios, Aposentadorias e Pensões no Brasil. O primeiro floresceu no período da ditadura militar (1964/85) e o segundo é filho do Plano Real e das políticas monetaristas neoliberais dos governos Collor e FHC.

Especialmente a partir da segunda metade dos anos sessenta foram sendo criadas, em expressivo número, entidades previdenciárias privadas, de adesão voluntária, abertas ou limitadas a funcionários de uma empresa, banco ou fundação, estatal ou privada, com a finalidade de assegurar o pagamento futuro de complementação de renda – aposentadorias ou pensões – ou de pecúlios para a velhice.

A CAPEMI – Caixa de Pecúlio dos Militares – cresceu e se expandiu em âmbito nacional, atingindo a extraordinária marca dos 2 milhões de associados participantes de seus planos. Começou e enfrentar dificuldades em meados dos anos oitenta e finalmente faliu em 2008 após uma desastrada tentativa de investir na usina de Tucuruí, no Pará.

Também tiveram “origem militar”, outros quatro montepios: O MFM, o Montepio da Família Militar, o GBOEx – Grêmio Beneficiente dos Oficiais do Exército, o MONTAB – Montepio da Familiar Aeronáutica Brasileira e o MBM, Montepio da Brigada Militar do Rio Grande do Sul. Os profissionais liberais universitários do Rio Grande do Sul reunidos na Faculdade de Medicina da UFGRS fundaram em novembro de 1964 a APLUB. O comportamento desta associação seguiu padrão semelhante ao dos demais montepios. Um período inicial de rápida expansão findo o qual surgiram as “turbulências”. Má gestão, desvios, baixa capitalização dos recursos ocorridos especialmente a partir da sua segunda década de funcionamento, iniciaram uma etapa de readaptação e/ou limitação de suas atividades, e até, em casos extremos, na liquidação judicial. Trouxeram desilusão e enormes prejuízos para milhões e milhões de famílias gaúchas e brasileiras. Elas sonhavam receber na velhice “soldos integrais de brigadeiros, almirantes ou generais”.

Em nível regional o caso de maior repercussão muito provavelmente foi o do MFM. Este Montepio teve extraordinária expansão que resultou na formação de um conglomerado que adquiriu e fundiu três bancos estaduais – o Nacional do Comércio, o da Província e o Industrial e Comercial do Sul – que originaram o SulBrasileiro, à época um dos dez maiores bancos privados do Brasil.  Desvios e má gestão levaram o MFM à extinção em 1986. Seus mais de 130 mil associados e credores da massa falida amargaram pesadas perdas. Depois de demoradas demandas judiciais conseguiram recuperar não mais do que 15%, às vezes até menos, dos créditos a que tinham direito, fixado um limite de pagamento de 50 mil reais.

O processo de estabilização monetária e de controle da inflação iniciado com o Plano Real (1994) previa, dentre inúmeras medidas de controle e equilíbrio fiscal, a modificação do sistema previdenciário brasileiro. Duas emendas constitucionais marcam o início da transição, a EC 20/1998 e a EC41/2003. Foram mantidos os dois subsistemas previdenciários, o geral (RGPS), dos trabalhadores segurados do INSS e o “próprio”, o RPPS, dos servidores públicos estatutários, civis e militares. Foram restringidos benefícios e introduzidas significativas modificações. No regime “próprio” foram criadas regras de transição que, paulatinamente, vão passar o encargo do pagamento de aposentadorias e pensões futuras dos caixas fazendários para fundos de previdência sustentados pela capitalização das contribuições. Estes fundos começam a ser criados. Um exemplo e local, bem próximo, é a Prefeitura de Porto Alegre que iniciou em 2002 a transição com o PREVIMPA, uma nova autarquia que passou a gerir os recursos de um novo fundo previdenciário e a pagar aposentadorias e pensões. Os servidores que ingressaram na Prefeitura a partir de 2003 terão sua aposentadoria assegurada e paga pelo sistema de capitalização dos recursos do fundo, o que não lhes assegura a integralidade. Está decretado o fim da paridade ativo-aposentado, direito histórico do servidor público estatutário. Será isto justo?

Há um sem número de privilégios absurdos no regime próprio, o do servidor público Exemplos 1: a filha de um major, coronel ou general do exército, brigadeiro ou almirante que se mantiver solteira, receberá até a morte a pensão do pai. Basta não casar que não precisará trabalhar durante toda vida. Exemplo 2: um juiz ou desembargador aposentado de 60 anos, que ficar viúvo ou se divorciar e se casar novamente com uma “menina” de 30 anos, estará certamente criando para os cofres públicos o ônus de pagar uma pensão próxima dos 30 mil reais mensais por mais 30 ou até 40 anos: uma  “gorda” pensão. Este absurdo não ocorre nem nos países ricos. Exemplo 3: a famigerada PEC/63/2013, prestes a ser aprovada no Congresso, vai aumentar o teto de remuneração mensal no serviço público dos atuais 30 mil para algo próximo dos 40 mil reais. Além do acréscimo da folha dos ativos, é evidente que o pagamento de aposentadorias e pensões futuras crescerá, também, exponencialmente.

Enquanto perdurarem esses privilégios e muitos outros existentes, além das enormes disparidades salariais na área pública, não me parece justo retirar vantagens históricas do servidor estatutário como a paridade da remuneração ativo-inativo. Além disso, o fim da integralidade da remuneração do trabalhador inativo é lenha na fogueira da previdência privada do país. Que fracassou rotundamente no Chile e que tem aqui no Brasil uma história muito pouco recomendável. Em passado bem recente.

Paulo Muzell é economista.


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