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7 de maio de 2016
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10:00

Ondjaki

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Ondjaki
Ondjaki

ondjaki1Por Nubia Silveira

Quando começou a fazer literatura, já no século XXI, o angolano Ndalu resolveu adotar o nome que lhe estava destinado antes do nascimento: Ondjaki, que em umbundu significa aquele que enfrenta desafios. A nova identidade ajudou-o a publicar contos e romances sem que seus colegas de classe soubessem que ele se tornara um escritor. Hoje, seus livros são traduzidos para diversos idiomas (francês, espanhol, italiano, alemão, inglês, sérvio, sueco, polaco) e ele, reconhecido por críticos e leitores.

Ondjaki, nascido em Angola em 1977, escreve também para teatro e cinema. Foi um dos realizadores do documentário Oxalá cresçam pitangas – histórias de Luanda, de 2006 (https://youtu.be/En8rugU5KTk). Há algum tempo, sua criação está voltada para a literatura. Considera-se um bom autor de contos, o que não o impede de escrever romance. Reconhece que a capacidade de se dedicar a mais de uma expressão artística é característica de sua geração, que já nasceu dominando a tecnologia e viajando mais do que as anteriores. Por onde anda, o que lhe chama a atenção são as pessoas. Elas são o melhor de cada lugar. No caso do Rio de Janeiro, exalta a facilidade que o carioca tem de sorrir e se relacionar.

Como ele mesmo diz, é um “contador de estórias”. Angola e os angolanos são férteis em lendas, fábulas, contos. Em Luanda, afirma, todos chegam atrasados para os compromissos. Nunca pedem desculpas. Ao contrário, contam sempre uma estória. A maioria, obra de ficção. Entre seus muitos títulos, acabo de ler dois: Os da minha rua e Os Transparentes. O primeiro é composto por 23 estórias de sua infância e duas cartas. É uma espécie de autobiografia. O narrador, um menino de 8 a 12 anos, lembra amigos, professores, parentes, dias de praia e de chuva, o gosto da manga verde com sal, perdas e despedidas, que para ele “tem cheiro de amizade cinzenta”. Em Palavras para o velho abacateiro, esclarece: “Não gosto de despedidas porque elas têm esse cheiro de amizades que se transformam em recordações molhadas em bué (muitas) de lágrimas”. A despedida também é tema de Um pingo de chuva: “Nas despedidas acontece isso: a ternura toca a alegria, a alegria traz uma saudade quase triste, a saudade semeia lágrimas, e nós, as crianças, não sabemos arrumar essas coisas dentro do coração”.

Os Transparentes trata de exclusão, miséria, desesperança, corrupção, do levar vantagem a qualquer preço. Mas também da amizade, da busca por uma vida melhor, da esperança no futuro. Os personagens principais vivem em um edifício que chama a atenção por jorrar água das paredes do primeiro andar. Caminhantes cansados, como o Carteiro, o Cego e o Vendedor de Conchas, passam por ali para conversar com os amigos e descansar os pés sob as águas que têm efeito curativo. Na outra ponta, estão o Ministro, o assessor do Ministro e DomCristalino, o empresário que vive de explorar a água. Políticos e empresário estão unidos em explorar o subsolo de Luanda, sem medir as consequências.

A linguagem de Os Transparentes beira a poesia. O português utilizado não é do Brasil, de Portugal ou de Angola. É o de Ondajki. Os dois livros nos levam a pensar, seja na nossa infância ou no momento político pelo qual estamos passando. Eu gostei. Espero que você também goste.

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Nubia Silveira é jornalista.


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