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18 de abril de 2016
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10:05

Pepetela

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A Geração da Utopia PepetelaPor Nubia Silveira

Tenho dedicado minhas horas livres a devorar a lista de autores africanos recomendados pela amiga Jane Tutikian, escritora, professora, patrona da Feira do Livro, especialista em literatura e cultura africanas. Jane sabe o que é bom. Ela me apresentou o angolano Pepetela – Artur Carlos Maurício Pestana dos Santos – por quem estou apaixonada. Li dois livros dele. Um logo depois do outro. Primeiro, foi A Geração da Utopia. Depois, Lueji, o Nascimento de um Império.

Os dois nos levam a entender a história e a cultura angolanas.

Pepetela, que significa “pestana”, em umbundo, estudou em Portugal, exilou-se na França, integrou o MPLA – Movimento Popular de Libertação de Angola, liderado por Antônio Agostinho Neto, exerceu cargos políticos, sendo vice-ministro da Educação, de 1975 a 1982, e escreveu a maioria de sua obra fora de Angola. Em A Geração da Utopia, ele acompanha um grupo de angolanos que estudava em Lisboa, frequentava a Casa dos Estudantes do Império (CEI) e se preparava para a guerra da independência. O livro abrange um período de mais de 30 anos. Vai desde 1961, quando estudantes de todas as tendências políticas e até apolíticos, fugiram de Lisboa com destino a Paris, onde se preparariam para integrar a guerrilha na luta contra o regime colonialista.

O autor acompanha a vida deste grupo até aos acontecimentos que se desenrolam a partir de 1991. A guerra chegou ao fim e as pessoas podiam circular livremente pelo país, apesar do pedágio cobrado por alguns grupos ainda armados. Dos antigos estudantes, um permaneceu fiel ao seu sonho e à sua ética de homem dedicado à libertação do povo. Na luta, ele recebeu a alcunha de “sábio” – seus comandados tinham certeza que ele sabia tudo e tinha sempre a resposta certa para cada situação. Depois, passou, a ser considerado um louco pelos ex-companheiros. Outro, o que não tinha envolvimento político, se tornou milionário, intermediando a venda de produtos para o governo socialista, o qual tinha como um de seus ministros o velho companheiro de quarto do “exportador” nos tempos de Lisboa. O ministro enchia os bolsos com uma propina aqui outra ali. Um terceiro se dedicou a criar uma igreja, que prometia prazer na vida.

Os problemas enfrentados na transição de um regime colonialista para um socialista, as tentações e dúvidas sofridas pelos estudantes-guerrilheiros, a desilusão com os líderes e a busca pela paz entre os diversos grupos em que a nação se dividiu são muito bem retratados por Pepetela. O texto tem um ritmo todo próprio com o uso do português angolano e dos termos utilizados pelas diversas etnias que formam o país. O glossário ao final do livro ajuda o leitor a saber, por exemplo, o sentido de xinguilar: “estremecer os ombros e depois todo o corpo, quando se recebe um espírito”. Xinjnaguila é “a dança de roda do Leste de Angola”.

Lueji, o Nascimento de um Império tem duas protagonistas: Lueji, a rainha dos Lunda, que viveu no século XVI, e Lu, descendente da rainha, dançarina do final do século XX. Pepetela vai alinhavando a história de uma com a outra. São duas mulheres jovens, fortes e inteligentes, prontas a quebrar tabus, enfrentar as pressões políticas e sociais para realizar os seus sonhos.

O autor passa de um século a outro sem aviso prévio. É preciso atenção para não se perder na leitura. As histórias de Lueji, uma figura mítica na formação de Angola, e de Lu, a rapariga em busca de um amor verdadeiro, que não lhe tire a liberdade, levam o leitor a entender os meandros da política no século XVI e os do meio cultural no final do século XX. Aqui também há um glossário em que se fica sabendo que chuíngame é chiclete e que kuatakuata (agarra-agarra) era como se chamava o ato de caçar escravos.

Estou pensando em ir atrás de outro título assinado por Pepetela. Vou ver o que a Jane indica.

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Nubia Silveira é jornalista.


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