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24 de abril de 2016
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10:00

Niketche

Por
Sul 21
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PNiketcheor Nubia Silveira

Só li até agora um livro da moçambicana Paulina Chiziane e fiquei com água na boca. Louca para provar mais um bocado. Niketche é sensível, feminino, destinado também aos homens. Fala da situação das mulheres em Moçambique e, por consequência, no mundo. Paulina – pelo menos aqui, nesta obra – não recorre ao realismo fantástico como faz o seu conterrâneo Mia Couto. Ela expõe a realidade vivida pelas mulheres de seu país, desde o nascimento.

Ao nascer a menina é anunciada com três salvas de tambor, o rapaz com cinco. O nascimento da menina é celebrado com uma galinha, o do rapaz celebra-se com uma vaca ou uma cabra. A cerimônia de nascimento do rapaz é feita dentro de casa ou debaixo da árvore dos antepassados, a da menina é feita ao relento. Filho homem mama dois anos e mulher apenas um. Meninas pilando, cozinhando, rapazes estudando. O homem é quem casa, a mulher é casada. O homem dorme, a mulher é dormida. A mulher fica viúva, o homem só fica com menos uma esposa.

Negra, de origem humilde, nascida em Manjacaze, Paulina Chiziane foi a primeira moçambicana a publicar um romance em seu país, como informa a Companhia das Letras, editora de Niketche, que respeitou o português de Moçambique, com ritmo, pontuação e acentuação que encantam. Esta obra é marcada pelo lirismo, pela cultura transmitida oralmente, pelas diferenças que marcam as mulheres do Sul e do Norte de Moçambique.

Para as mulheres o eterno conselho é: segura, fecha, cobre, esconde. Para os homens é: larga, voa, abre, mostra.
Niketche conta a história de um homem, Tony, e de suas mulheres, naturais de várias regiões do país. A primeira delas, a esposa oficial, Rami, com quem Tony está casado há 20 anos, faz com que ele assuma a poligamia e passe a viver dentro das regras poligâmicas.

A pureza é masculina, e o pecado feminino. Só as mulheres podem trair, os homens são livres.
Chiziane também recorre ao humor que faz sorrir e não gargalhar para tratar das tristezas das mulheres, que buscam ser amadas com fidelidade. Que sonham com um bom companheiro, um pai que seja presente e oriente seus filhos.

Amar e ser amado é coisa de homem. Para a mulher, o amor recebido dura apenas um sopro, um flash de fotografia, simples pestanejar da vista. Para a mulher, amar é ser trocada como um pano velho por uma outra mais nova e mais bela – como eu fui. É ser enterrada viva quando a menopausa chega – está seca, está gasta, estéril, não pode produzir nem prazer, nem filhos, e já não floresce em cada lua – dizem os homens.

A história de Tony e suas mulheres é narrada por Rami, uma guerreira, que leva a sua luta entre lágrimas, surpresas, novas descobertas e algumas vinganças. Niketche, explica Mauá, a mais moça das mulheres de Tony, é uma dança macua (uma das etnias do Norte de Moçambique). “Uma dança do amor, que as raparigas recém-iniciadas executam aos olhos do mundo, para afirmar: somos mulheres. Maduras como frutas. Estamos prontas para a vida!”.

Vou em busca de um novo título de Paulina Chiziane.

Paulina Chiziane

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Nubia Silveira é jornalista.

 


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