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30 de abril de 2016
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10:15

Doença X Amizade

Por
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Doença X Amizade
Doença X Amizade

TRUMANPor Nubia Silveira

Como reagir diante de uma doença grave, seja ela nossa ou de um amigo? Sempre me perguntei Isso. E sigo me perguntando. Já recebi muita notícia que não gostaria de ter ouvido. Minha reação, nessas horas, é de sofrimento mesclado com a dúvida: o que fazer? Como me comportar? Lembro de uma grande amiga, uma mulher doce, querida por todos, mãe de três crianças, que descobriu estar com câncer, no estágio terminal. Ela foi corajosa. Eu não. Manuela preparou a família e os amigos para a sua morte. Enfrentou a doença cara a cara. Falava abertamente do seu fim. Eu me encolhia. Não sabia o que dizer, o que fazer. Um dia, liguei avisando que iria visitá-la. Ela me pediu que não fosse. Estava no fim. Ali o meu medo e egoísmo vieram à tona. Não insisti na visita. Na verdade, cheguei a me sentir feliz com o pedido dela. Não tinha grandeza suficiente para encará-la.

Há pouco tempo, descobri que um grande amigo, sempre bem-humorado e disposto a batalhar pela vida, estava prestes a morrer. Fui adiando o dia de viajar para vê-lo. Não tinha dinheiro, não tinha tempo, iria incomodar a família dele, já tão sofrida com a realidade. Continuei falando com ele por telefone. Um dia senti que estava tão mal, que não conseguiria mais falar. Pedi a uma amiga que me apoiasse e viajasse comigo, porque eu não teria forças para viver aquele momento sozinha. Quando comprava as passagens, recebi o telefonema avisando que Lucho havia falecido. Apesar dos muitos anos que separavam uma experiência da outra, voltei a ser fraca e covarde. Não sabia como me comportar perante o fim de uma pessoa tão querida.

Também vivi a experiência de perder a minha mãe e precisar do apoio de amigos, durante todo o processo. Poucos ou quase nenhum apareceram para visitá-la e apoiar a mim e às minhas irmãs durante o tempo que a doença durou. Muitos – até os que não esperávamos – apareceram para o enterro. Ali era o fim e os amigos sabiam como agir e o que dizer. Apresentar os sentimentos pela nossa perda é muito mais fácil do que dar carinho e abraçar durante os momentos de incertezas, esperanças e desesperanças. Com essas e muitas outras experiências relativas à nossa finitude no currículo, escolhi ver Truman, filme de Cesc Gay, com Ricardo Darin e Javier Camara, que trata justamente da amizade e da doença. Mostra como o enfermo pode tomar as rédeas de seu tratamento e decidir o que quer para os seus últimos dias e a importância de ter um grande amigo nesta hora.

Temos amigos de todos os tipos: os que apenas nos ligam de vez em quando, os que nos procuram intermitentemente, os que nos convidam para sair ou ir às suas casas e os fiéis, que estão sempre presentes. Estes últimos são raros. Dá para contar nos dedos de uma só mão. Tomás (Javier Camara) era desta categoria. Apesar disso titubeou ao saber que Julián (Ricardo Darin) enfrentava um câncer terminal. A relação dos dois é sensível, respeitosa, infinita e poderosa. O tipo de amizade com que todos sonhamos. Tomás e Julián são os amigos que todos deveríamos ser e nem sempre somos. Eles não disputam nada, se aceitam como são, aprendem um com o outro. São solidários. Na relação, não há espaço para orgulho, para a humildade que aceita dar e receber, gentilmente. Truman é aquele filme que todos deveríamos ver para aprender um pouco mais sobre a morte, a postura diante dela e a amizade verdadeira.

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Nubia Silveira é jornalista.


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